ESCURECENDO O OSCAR...
Quem foi a primeira atriz afro-americana a receber a cobiçada estatueta do maior prêmio do cinema dos EUA? Por qual filme? Em que ano isto ocorreu?
por Oswaldo Faustino
Halle Berry |
Octávia Spencer |
Jennifer Hudson |
Não. Não foi Halle Berry, em 2002, por sua brilhante interpretação da protagonista de “A Última Ceia”, de Marc Forster, como poderíamos imaginar. Nem mesmo outras estrelas negras que estamos acostumados ver nas telas de cinema e na TV. Na verdade, em 1940, Hattie McDaniel conquistou o Oscar de “melhor atriz coadjuvante”, ao interpretar Mammy, a rechonchuda empregada da jovem sulista Scarlett O'Hara (Vivien Leigh), paixãozinha de Rhett Butler (Clark Gable), no clássico “...E o Vento Levou” (Gone with the wind), de 1939. Esse filme, dirigido por Victor Fleming, baseado no romance de Margaret Mitchell, levou 10 das 12 estatuetas para as quais foi indicado, na 12ª versão da premiação.
Em 26 de outubro passado, completaram-se 66 anos da morte de Hattie McDaniel, que permaneceu esquecida, por décadas, a não ser quando se desejava criticar artistas afro-americanos que se submetiam a papeis considerados inferiores ou jocosos, como foi feito através do filme “A hora do show” (Bamboozled), de Spike Lee, em 2000.
Porém, ignorar McDaniel é uma injustiça que deve ser corrigida, em breve, com uma cinebiografia, que encontra-se em produção e contará sua origem humilde e religiosa, sua trajetória, seu amor pela black music e pelo cinema, seus embates com membros do Civil Rights Movement e seu maior feito: tornar-se a primeira mulher negra a conquistar um Oscar. Os produtores dessa cinebiografia ainda não revelaram qual será o elenco, a direção, nem mesmo a data prevista para o lançamento.
Nascida em Wichita, no Kansas, em 1895, Hattie era a
caçula dos 13 filhos do pastor batista Henry McDaniel com a cantora gospel
Susan Holbert. Seu pai nasceu sob o regime da escravidão – que nos EUA teve fim
em 1863, com a Proclamação de Emancipação, por
Abraham Lincoln, durante a Guerra de Secessão, a guerra civil norte-americana
–. Ainda menina, ela formou um
quarteto vocal, com o pai e os irmãos Otis e Sam. Foi uma das primeiras garotas
negras a cantar no rádio, no EUA, na primeira década do século XX. Jamais abandonou a carreira radiofônica.
Quando o quarteto se desfez, em decorrência da morte de
Otis, Hattie seguiu carreira solo e, além de realizar várias gravações, na maioria
de composições próprias, participou de diversos espetáculos musicais, com apoio
logístico da Theatrical Owners Booking Association, uma associação de
negros proprietários de teatros, que faliu com a quebra da Bolsa de NY, em
1929.
SUCESSÃO
DE SUPERAÇÕES – A vida de Hattie foi cercada de
atos de superação e de pequenas conquistas. Fosse com relação a si própria, ou provocando mudança de atitude em seu redor. Durante a Grande Depressão, por toda a década de 30 e parte da seguinte, legiões de desempregados vagavam à cata de qualquer tipo de atividade que lhes garantisse alguns trocados. O único trabalho que Hattie McDaniel conseguiu, nesse período, foi o de atendente, no banheiro feminino do Club Madrid, em Milwaukee, uma casa noturna exclusivamente para brancos. O proprietário a conhecia e gostava de ouvi-la cantar. Mas temia uma má reação dos frequentadores. Um dia, porém, arriscou-se a convida-la a subir ao palco e ela se tornou uma das principais atrações daquela boate. Mesmo com dificuldades financeiras, participou das ações para angariar fundos para ajudar os soldados norte-americanos, na Segunda Guerra Mundial.
Revezava a carreira de atriz de cinema com a de cantora e demais atividades no rádio. Como "não" era uma palavra que jamais usava ao receber convites para atuar, teve aparição em mais de 300 filmes, porém, seu nome só consta na ficha técnica de cerca de 80 deles, ao longo de uma careira que durou de 1932 a 1949. Além de Mammy em “...E o Vento Levou”, outro personagem que a destacou foi Tia Dilsey, na comédia “Judge Priest” (O Juiz Priest), dirigida por John Ford, em 1934, no qual pode também exibir seu talento de cantora.
atos de superação e de pequenas conquistas. Fosse com relação a si própria, ou provocando mudança de atitude em seu redor. Durante a Grande Depressão, por toda a década de 30 e parte da seguinte, legiões de desempregados vagavam à cata de qualquer tipo de atividade que lhes garantisse alguns trocados. O único trabalho que Hattie McDaniel conseguiu, nesse período, foi o de atendente, no banheiro feminino do Club Madrid, em Milwaukee, uma casa noturna exclusivamente para brancos. O proprietário a conhecia e gostava de ouvi-la cantar. Mas temia uma má reação dos frequentadores. Um dia, porém, arriscou-se a convida-la a subir ao palco e ela se tornou uma das principais atrações daquela boate. Mesmo com dificuldades financeiras, participou das ações para angariar fundos para ajudar os soldados norte-americanos, na Segunda Guerra Mundial.
Revezava a carreira de atriz de cinema com a de cantora e demais atividades no rádio. Como "não" era uma palavra que jamais usava ao receber convites para atuar, teve aparição em mais de 300 filmes, porém, seu nome só consta na ficha técnica de cerca de 80 deles, ao longo de uma careira que durou de 1932 a 1949. Além de Mammy em “...E o Vento Levou”, outro personagem que a destacou foi Tia Dilsey, na comédia “Judge Priest” (O Juiz Priest), dirigida por John Ford, em 1934, no qual pode também exibir seu talento de cantora.
Aos militantes das lutas pelos Direitos Civis, que a
criticavam por aceitar a humilhação de só interpretar papéis servis, como o de empregada
doméstica, respondia: "Ganho 700
dólares por semana, sendo uma empregada, nas telas. Ganharia sete, sendo uma de
verdade." Hattie sabia bem do que estava falando, pois, por muito
tempo, quando não estava cantando ou filmando, sobrevivia trabalhando de
faxineira ou cozinheira, para completar o orçamento. O Oscar melhorou muito seus
ganhos, mas não os papeis, que continuaram sendo os de serviçal e de
escravizada.
Premiá-la foi uma verdadeira ousadia dos membros da
Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood. Seguiu-se uma
polêmica, pois, apesar da indicação, Hattie não recebeu convite para participar da cerimônia de
premiação. O motivo? Era proibido o ingresso de negros e negras no
Dorothy Chadler Pavilion, em Los Angeles, onde o evento se realizou, a não ser
na cozinha, no estacionamento ou servindo os convidados. Ao tomar conhecimento
desse fato, Clark Gable, indicado ao prêmio de “melhor ator”, anunciou que
também não compareceria. Foi necessária uma autorização especial para
permitirem a entrada de Hattie McDaniel no evento. Gable, então, concedeu entrevistas afirmando
que só iria à festa como convidado de sua querida amiga McDaniel. Curiosamente, até ser anunciada vencedora, ela permaneceu na última mesa do salão, longe dos demais indicados pelo mesmo filme, que estavam bem à frente.
Num
ato simbólico, a atriz doou seu Oscar à Howard University, a primeira universidade
afro-americana, fundada na capital do país, Washington D.C., em 1867, quatro
anos após a abolição da escravatura. Durante os conflitos raciais dos anos 60, a estatueta
desapareceu e nunca mais foi encontrada.
Entre as homenagens, após sua morte, há duas
estrelas na Calçada da Fama:
uma na Hollywood Boulevard, por sua atuação no rádio; e outra na Vine Street, por seu intenso trabalho em
cinema. Em 2006, o Serviço Postal dos EUA a destacou na 29ª edição das Black
Heritage Series, com a publicação de um selo postal, no valor de 39 centavos.
EM HOLLYWOOD,
NEM TUDO SÃO FLORES – Quatro casamentos, uma viuvez, três
divórcios. Ao seu último marido, Larry Williams, com quem não chegou a viver um
ano, deixou em testamento apenas um dólar. Passou os últimos anos de sua vida em
depressão e foi acometida de um câncer. Apesar de ter participado de tantos
filmes que enriqueceram muitos artistas de cinema, produtores e diretores, a herança que Hattie deixou à
família não chegava a 10 mil dólares.