terça-feira, 13 de novembro de 2018

Um conto breve de inspiração Bantu

O PRESENTE DE  














O povo Bantu, que ocupa a maior parte do Continente Africano, abaixo do Deserto do Saara, tem um nome muito especial para sua Divindade Maior: N’Zambi, que por aqui, com o passar do tempo, começou a ser chamado de Zambi, assim como o povo é denominado Banto. Mas eu amo ecoar os seus nomes originais. 

Apesar de trazer dentro de si o Tudo – tudo o que poderia existir morava em seu coração –, N’Zambi vivia, pela eternidade, no centro do Nada. Se você tapar os olhos com as mãos, ou permitir que lhe amarrem uma venda sobre eles, terá a mesma sensação que aquela Divindade, em meio à escuridão. Acrescente a essa incômoda sensação a ausência de sabores, de odores, de sonoridades e de algo para tocar.

Não existia nada que pudesse deixa-lo mais feliz, nem menos, e que pudesse provocar alguma lembrança, ou sonho, ou sentimento. 

E N’Zambi, um dia, sentiu necessidade de tudo isso.

Foi aí que tirou de dentro de seu coração um saquinho contendo um pó mágico. Ele nunca tinha visto aquele saquinho, mas tinha certeza do que devia fazer com ele. Abriu-o e apanhou um pouco desse pó, que soprou para o alto.









De repente, o que era escuridão, ganhou bilhões de pontinhos luminosos de todos os tamanhos, que ele chamou de Estrelas. Um ponto bem grande dominava o espaço e N’Zambi o chamou de Lua. Sentiu vontade de dar um nome àquela maravilha que surgiu e escolheu: Noite.


Era tudo muito lindo, mas N’Zambi se encantou com a luz e desejou que fosse ainda mais forte, muito mais intensa. Apanhou mais um pouco do pó mágico, soprou e criou o Dia, que emanava de uma bola de fogo para a qual deu o nome de Sol.



Mas o Nada ainda continuava à sua volta. N’Zambi, então, descobriu o maior prazer de toda a sua vida eterna. Tratava-se de um jogo que Ele chamou de Criaçãoapanhava o pó mágico, no saquinho, soprava, pensando em algo e essa coisa surgia imediatamente, diminuindo cada vez mais as dimensões do Nada. Aquele espaço vazio, que tanto incômodo causava à Divindade, passou a ser ocupado pelo Tudo.

Foi assim que surgiram o mar, os rios, os lagos, nos quais N’Zambi soprou peixes e milhares de outros animais aquáticos. Soprou florestas e todos os animais que hoje existem nelas: os que se arrastam, os que andam, os que correm e muitos muitos que voam. Feliz da vida N’Zambi soprou tudo o que há, o que já houve e que há de existir.



Nas profundidades, implantou ricos metais: ouro, prata, platina, cobre, bronze... montanhas de cristais, rochas contendo pedrarias, que ganhariam nomes como Diamantes, Rubis, Esmeralda, Turmanilas e outros tantos que alegravam os olhos e faziam o coração palpitar muito mais forte... 

Um dia, porém, desejou criar seres que fossem tão completos e complexos, quanto ele próprio. Imaginou que iriam lhe fazer companhia, ajuda-lo a descobrir as emoções, faze-lo rir, chorar, ficar surpreso, se arrepiar. Coisas que não fazem parte do dia-a-dia de uma Divindade... foi aí que soprou os Humanos. 

Foi a pior ideia que N’Zambi poderia ter.  Estes últimos animais criados
por Ele nasceram com uma fome sem tamanho. Fome de engolir o mundo. Uma avidez insaciável, estonteante. A Humanidade devorava tudo o que os seus olhos avistassem. Os humanos chegavam a devorar uns aos outros. Sua fome maior era a de Poder. Queriam, até mesmo, devorar o próprio N’Zambi.

Assim, nasceram a Barbárie, o Racismo, as Crueldades, as Explorações Humanas - como a Escravidão -, o Caos e, com eles, as Guerras.


Quando a ordem é a Barbárie, não há limites para o Mal.


N’Zambi se assustou com essa sua última criação. Precisava criar algo que mudasse a própria natureza dessas criaturas. 

Apanhou o saquinho e... se desesperou: não havia mais um único grãozinho do pó; estava totalmente vazio. 

Lembrou-se, então, de que, entre suas criações, havia algo que fazia tudo virar ao contrário. Ele havia chamado essa criação de Espelho. Correu apanhá-la e resolveu polir sua superfície com alguns óleos essenciais, que extraiu de sua própria natureza divina: o óleo da criatividade, o das artes, o da identidade, o do amor próprio, o óleo do respeito pelo outro, o da cooperação mútua, o da coletividade... e finalizou o polimento com o óleo da ancestralidade.


Novamente pensou, pensou, pensou e deu ao Espelho o nome de Cultura . 

Através do Espelho da Cultura, os humanos, não só começaram a reconhecer a si próprios e aos demais, como também puderam ajudar N’Zambi a dar continuidade ao Jogo da Criação.

E o espelho se multiplicou em milhares. Passou por lá, ...


... passou por aqui e só enriqueceu as vidas de todos nós.










N’Zambi, finalmente, se sentou para contemplar as próprias criações e as criações de suas criaturas. Gostou muito do que viu e resolveu chamar a tudo isso de PAZ!!!