por Oswaldo Faustino
Talvez mais importante do que “não negar” seria os cabelos revelarem, afirmarem e documentarem uma consciência
e o orgulho da própria ascendência africana
Vale muito menos o que fazemos com os cabelos que cobrem
nossas cabeças – ou mesmo com sua ausência – do que o que trazemos debaixo das
raízes deles. Isso sim tem real importância. Porém, não dá para ignorar o fato
de que nossa cabeleira pode transformar-se num manifesto político-racial,
num discurso afirmativo não verbal. Caso não desejarmos faze-lo com nosso visual e, mesmo assim, quisermos afirmar-nos negros e negras, serão nosso comportamento e nossas palavras que terão a missão de manifestar-se, como é, por exemplo, o caso da família Obama e de milhares de outras pessoas, mundo afora.
"Cabelo ruim": conceito desde a infância |
Daí, a primeira pergunta a ser feita é: "Com que cabelo você se sente feliz?". Observe que programas-propagandas de venda de pranchas e chapinhas, exploram exatamente isso: quando uma moça de cabelos crespos é chamada, entra com expressão bastante infeliz; à primeira mecha alisada, veja o sorriso que ela exibe. O marketing afirma que não estão vendendo aparelhos, mas sim felicidade, ou o que aquelas moças pensam ser felicidade.
O documentário com Chris Rock está disponível na Netflix |
O documentário parte do questionamento de uma das filhas do
comediante do porquê não tem “cabelo bom”. E ele demonstra o
quanto tudo à volta de uma mulher negra – e do homem negro também, por que
não? –, desde criança, contribui para esse questionamento. Chris Rock demonstra
que essa pressão pode anular ações positivas, como a de viver afirmando às filhas que elas são lindas, como são, e não como outras pessoas digam que deveriam
ser, despertando a necessidade de “domar os cabelos” com artifícios, como
o alisamento e os relaxamentos.
Maya Angelous: "É cabelo apenas" |
A própria Madame C. J, Walker, sobre quem escrevi a matéria
inaugural desse blog, tinha sua linha de produtos que tornavam os cabelos
lisos. Ela, porém, destacava muito mais a importância da cura do couro
cabeludo, do fim da queda capilar, do fortalecimento e do crescimento dos cabelos
e não do alisamento, como destaca sua tataraneta
A'lelia Bundles, negando com veemência que a tataravó tenha inventado o pente
de ferro para alisar. Já os descendentes do milionário inventor Garret August
Morgan – que também criou o semáforo, entre outras invenções – não apresentam
nenhum constrangimento em revelar que seu antepassado teria, acidentalmente, descoberto uma pasta, consertando máquinas de costura. Ele percebeu que o óleo usado para evitar que a máquina queimasse os tecidos, deixava os fios lisos
e alongados. Após uma modificação aqui, outra ali, seus próprios cabelos
estavam lisinhos. Assim surgiram seus cremes alisantes de grande sucesso.
Homens negros não estão blindados contra o desejo de “domar" as madeixas. Segundo o compositor, cantor e pesquisador de história e cultura negras, Nei Lopes, os “cabelos fritos” desembarcaram no Brasil, a bordo do filme musical “Stormy Weather” (Tempestade de Ritmos) de 1943. Possivelmente no mesmo navio vieram containers lotados de pastas e cremes de toda sorte, pentes de ferro e outras invenções similares. Assim, os salões de barbeiro ganharam filas intermináveis de negros querendo entrar na moda dos cabelos lisos ou, pelo menos, ondulados. Vaselina e meias de seda femininas adquiriam uma nova função: manter os cabelos masculinos grudadinhos na cabela, lisos e brilhantes.
O filme também pautou a indumentária da malandragem, com seus jaquetões de ombros largos e calças pregueadas com bocas extremamente estreitas. Diz a lenda que a polícia jogava uma laranja dentro das calças dos suspeitos de malandragem e, se descesse nas pernas da calça e não saísse, os levavam para a delegacia. Mas esse é um tema futuro para apresentarmos aqui.
Os dançarinos Nicholas Brothers, em "Tempestade de Ritmos" |
Homens negros não estão blindados contra o desejo de “domar" as madeixas. Segundo o compositor, cantor e pesquisador de história e cultura negras, Nei Lopes, os “cabelos fritos” desembarcaram no Brasil, a bordo do filme musical “Stormy Weather” (Tempestade de Ritmos) de 1943. Possivelmente no mesmo navio vieram containers lotados de pastas e cremes de toda sorte, pentes de ferro e outras invenções similares. Assim, os salões de barbeiro ganharam filas intermináveis de negros querendo entrar na moda dos cabelos lisos ou, pelo menos, ondulados. Vaselina e meias de seda femininas adquiriam uma nova função: manter os cabelos masculinos grudadinhos na cabela, lisos e brilhantes.
O filme também pautou a indumentária da malandragem, com seus jaquetões de ombros largos e calças pregueadas com bocas extremamente estreitas. Diz a lenda que a polícia jogava uma laranja dentro das calças dos suspeitos de malandragem e, se descesse nas pernas da calça e não saísse, os levavam para a delegacia. Mas esse é um tema futuro para apresentarmos aqui.
Angela Davis: cabelos afirmativos |
O livro de Kiusam: fundamental |
O dreads de Bob: manifesto musical |
Luana, personagem criado por Aroldo Macedo, autor com Oswaldo Faustino, de quatro livros. Também em histórias em quadrinhos |
Enfim, não existe uma forma única de nos afirmar-nos negros e negras. O compromisso com a história e a cultura do nosso povo não depende de como nos vestimos ou com o que fazemos com nossos cabelos. Faça o que quiser com a parte externa de sua cabeça e cuide da melhor maneira possível da parte interna. Seus cabelos podem ser pintados da cor que você bem entender, descoloridos, raspados ou você pode usar as multi-criativas tranças de infindáveis variações.
Eu, particularmente, me encanto com tranças e penso que cultivá-las, ainda na infância, tem alimentado a criação de uma identidade e a autoestima das crianças negras de ambos os sexos, o que fortalece o alicerce para uma excelente relação com a própria negritude e com o mundo à volta delas.
Cultivar a felicidade, através do auto-reconhecimento e de uma identidade afro-descendente, vale realmente a pena. E tod@s devemos estar unid@s nessa jornada.