segunda-feira, 23 de setembro de 2019

Racismo: nasce o orgulho, morre a vergonha

Ku-Klux-Klan: para escritor paulista Monteiro Lobato, era a solução para dos problemas do  Brasil

País de mestiços onde o branco não tem força para organizar uma Kux-Klan, é país perdido para altos destinos [...] Um dia se fará justiça à Ku-Klux-Klan; tivéssemos aí uma defesa desta ordem, que mantém o negro em seu lugar... [...] porque a mestiçagem do negro destrói a capacidade construtiva". (Monteiro Lobato)

Não por acaso abro este texto com trechos da carta do escritor José Bento Renato Monteiro Lobato (1882-1948), datada de 10 de abril 1928, ao médico eugenista baiano Arthur Neiva (1880-1943). Nunca será extemporâneo denunciar palavras e atitudes racistas, sejam de quem for, em que tempo for. O curioso é que nomes muito famosos encabeçaram a lista defesa de Monteiro Lobato, em 2010, quando a Dra. Nilma Lino Gomes, então, ministra da Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial da Presidência da República – Seppir, emitiu seu parecer crítico para o Conselho Nacional de Educação sobre a obra “Caçadas de Pedrinho” (1933) – na lista dos livros que seriam distribuídos às bibliotecas escolares do País –, demonstrando o papel “naturalizador do racismo, na sociedade brasileira”, através da linguagem utilizada pelo autor ao referir-se à Tia Nastácia.
Dois trechos de “Caçadas de Pedrinho”, em especial, geraram polêmica:
"Caçadas de Pedrinho":
o motivo da polêmica
 “É guerra e das boas. Não vai escapar ninguém - nem Tia Nastácia, que tem carne preta...”
“Sim, era o único jeito — e Tia Nastácia, esquecida dos seus numerosos reumatismos, trepou que nem uma macaca de carvão pelo mastro de São Pedro acima, com tal agilidade que parecia nunca ter feito outra coisa na vida senão trepar em mastros”.
Apesar de boa parte da intelectualidade ter vindo a público defender Lobato, afirmando que se educou lendo as obras dele e que ninguém se tornou racista, por conta disso, de lá para cá, o Paraíso da Democracia Racial livrou-se das máscaras e escancarou seu orgulho de odiar a diversidade, de menosprezar a parcela afro-brasileira da população, de ressuscitar teses eugenistas, e tudo o mais que o racismo estrutural vem, há séculos, produzindo em nosso País.
Leis Jim Crow: separação total entre brancos e negros 
Este texto, porém, não tem o Sr. Lobato como foco principal, mas o racismo e a lembrança de que seu argumento tinha como referência o país, onde as leis Jim Crow – título inspirado na concepção de que os negros escravizados seriam idiotas, indolentes, infantilizados – vigoraram de 1876 a 1965, separando os espaços e serviço para os brancos dos destinados aos negros, até mesmo os assentos nos ônibus, como vimos no caso de Rosa Parks. Elas institucionalizaram a segregação racial, baseada numa supremacia branca, excluindo não só negros e negras, mas também asiáticos, imigrantes e outros grupos étnicos.

Depois dele, muitos outros brasileiros bateram continência à bandeira norte-americana, ecoando por toda hit society tupiniquim, classe média e também pelas nossas escolas a máxima cunhada pelo embaixador Juracy Magalhães (1905-2001): “O que é bom para os Estados Unidos é bom para o Brasil”, proferida durante a ditadura militar, quando exerceu o cargo de embaixador naquele país.  Porém, quando nós jovens negros brasileiros, dos anos de 1960/70, tomávamos como referência a luta pelos Direitos Civis da população afro-americana, o movimento Black Power, os ditos de Malcoln X, James Baldwin e os Panteras Negras, éramos acusados de copiar – utilizavam a palavra “macaquear” – estrangeirismos, afirmando que, por serem realidades diferentes, os modelos de ações não podiam ter semelhanças.
O Movimento Black Power: referência para jovens negros brasileiros
Graças à tradição de  segregação dos EUA , as instituições supremacistas encontravam espaço e condições para exibirem força de intimidação. Mas, lá, existe outra boa e saudável tradição:
“Lei é Lei”, seja criada pelo Congresso, ou decorrente de decisão da Suprema Corte – está aí algo que deveria ser modelo para nossos poderes Legislativo, que cria algumas leis para valerem e outras para não valerem,  e Judiciário, em suas decisões com relação à Constituição –. Lá também vale a vox populi  
graças a instituições como a de advocacia AACP (National Association for Advancing of Colored People), que foi fundamental para conquistar, na Justiça, o fim do segregacionismo.

O orgulho supremacista

Em uma das edições em que tratou desse tema, a revista Superintessante define a Ku-Klux-Klan como uma “milícia criminosa racista criada no sul dos EUA logo após a Guerra Civil Americana (1861-1865)”, a Guerra de Secessão”. Seus fundadores seriam seis veteranos confederados brancos, agindo em reação à libertação dos escravizados e ao projeto governamental intitulado Reconstrução, que se propunha a integrá-los à sociedade.

Fogo: arma de intimidação da KKK contra as minorias
Tornaram-se práticas corriqueiras as ações de ódio dessas milícias: queima de cruzes, incêndios em edifícios; explosões de bombas, como a que matou quatro meninas, numa igreja batista negra, no Alabama; linchamentos; estupros; e massacres, como o de Colfax, na Louisiana, em 1873, quando milicianos armados de rifles e até mesmo um canhão, enfrentaram os participantes de uma manifestação do Partido Republicano, em prol de direitos políticos de afro-americanos. Cento e cinquenta corpos negros foram contados no local, fora os que foram jogados no rio e nos pântanos da região. Três brancos morreram nesse “conflito racial”.  
Placa, no local do conflito, rememora
o Massacre de Colfax
Nascida em 1866, em menos de um ano, a Ku-klux-Klan já se registrava mais de meio milhão de membros. A indumentária adotada, longa túnica com a máscara pontuda, era uma alusão aos fantasmas dos soldados confederados mortos na Guerra de Secessão. E, mesmo após ter sido declarada “organização criminosa”, em 1870, continuou crescendo, graças, principalmente, às leis Jim Crow. Desta forma, o cumprimento das Leis era garantido por criminosos. 

O grande boom de crescimento aconteceu nos 10 anos que se seguiram ao início da 1ª Guerra Mundial, em 1914, quando aos antigos alvos do ódio da KKK, acrescentaram-se os judeus, os católicos, novos imigrantes de outras origens, os comunistas e os homossexuais. Assim, a KKK chegou a 5 milhões de membros. Hollywood muito contribuiu para isso, em 1915, com a estreia do filme O Nascimento de uma Nação, de D. W. Griffith, que vilaniza os negros e heroifica os membros da Klan. 
Os números oscilaram através do tempo e até se imaginou que tivessem desaparecido. Mas, volta e meia, ressurgem manifestações de grupos remanescentes da Ku-Klux-Klan, que se fundem com os neonazistas e demais simpatizantes do fascismo e de outras tendências de extrema direita.

Never forget Michael Donald 

A morte de Michael Donald, o último linchamento
do Alabama, abalou em definitivo a KKK
O ano de 1997 entrou para a história dos EUA como aquele em que, pela primeira vez, um homem branco, Henry Francis Hays, foi executado na cadeira elétrica e dois outros comparsas foram condenados à prisão perpétua – todos membros da KKK, tão admirada por Monteiro Lobato –, acusados do assassinato do jovem negro, Michael Donald, de 19 anos. Um quarto envolvido na conspiração que, resultou nesse crime, morreu antes da conclusão de seu julgamento.
Mais do que a punição dos homicidas a Justiça deu um duro golpe no racismo, condenando a United Klans of America (UKA) – uma associação de membros da Klan – a uma alta indenização à família da vítima. 
Henry Hays, o único membro da
KKK executado por matar um negro
A pena de morte, no Alabama, foi implantada em 1913.  Mas, durante todo o século XX, Henry Hays foi o único membro da KKK executado naquele estado, apesar de terem ocorrido nos estados sulistas aproximadamente 4.400 linchamentos praticados por esses grupos. O melhor resultado desta decisão judicial foi a criminalização de todas as instituições que se utilizam de discursos de ódio contra os chamados grupos minoritários.   
Michael Donald, a vítima da sanha assassina dos membros da Klan, era morador da cidade litorânea de Mobile, na baía de mesmo nome, no estado sulista do Alabama. O crime ocorreu em 21 de março de 1981, quatro meses antes de ele completar 20 anos. E passaram-se 16 anos, até que fosse, finalmente, feita a justiça, com a execução de seu principal assassino.
A motivação dos autores desse linchamento foi a retaliação contra o fato do afro-americano Josephus Anderson, ter matado um policial branco, durante a fuga, após um assalto, no condado de Birmingham, no mesmo estado. O julgamento foi transferido para Mobile e só foi concluído em 1985, com a condenação de Anderson a prisão perpétua.  
Na noite de 19 de março de 1981. membros da Klan se reuniram no gramado do tribunal de Mobile e queimaram uma cruz. "Se um homem negro pode se safar de matar um homem branco, devemos ser capazes de sair matando homens negros", bradou em seu discurso Bennie Jack Hays, o segundo homem mais importante da United Klans of America e membro da Unidade 900 da Ku-Klux-Klan, naquele estado sulista, onde ele tinha o cargo de “Titã”, líder local.
Robert Marvin Shelton, o
"Mago Imperial" da UKA 
O número 1 da United Klans of America era Robert Marvin Shelton, que exercia o cargo de “Mago Imperial”. Sob seu comando, crimes e atos de crueldade foram praticados por membros da Klan, entre eles a explosão de uma bomba na igreja batista da rua 16, frequentada por negros, em Birmingham, matando quatro meninas da escola dominical: Denise McNair (11 anos), Addie Mae Collins (14 anos), Carole Robertson (14 anos) e Cynthia Wesley (14 anos) e deixando 23 pessoas feridas; e o assassinato de Viola Liuzzo, uma mulher branca simpatizante e voluntária da causa dos Direitos Civis, atingida por tiros em seu automóvel. 
As quatro vítimas da explosão
de bomba na igreja da rua 16 
Nesse período, a UKA atingiu o número de 33 mil membros. As mensagens que alimentavam o ódio em seus membros e os estimulavam à ações violentas eram veiculadas pela revista The Fiery Cross
"Para Deus e o País"
Com toda a violência
Estimulado pela declaração do pai, na queima da cruz, Henry Francis Hays, na época, com 26 anos, e outros, entre eles James Llewellyn "Tiger" Knowles, de 17 anos, armados de pistola, faca e uma corda, saíram à procura de uma pessoa negra para atacar. Foi quando Henry e "Tiger" avistaram, caminhando numa rua escura, Michael Donald, funcionário de um jornal local e estudante de uma escola técnica.
Viola Liuzzo, fuzilada
por ser solidaria
Donald estava voltando para casa, depois de comprar cigarros para a irmã. Forçaram-no a entrar no carro de Henry e o levaram a um local ermo, numa floreta no condado vizinho. Ele tentou fugir, mas foi espancado com paus e pedras, atearam fogo em seu corpo e, quando estava desacordado, Hays enrolou a corda em seu pescoço e o enforcou numa árvore. Depois, cortou por três vezes sua garganta para ter certeza de que estava morto.
O corpo do jovem linchado foi levado, no porta-malas do mesmo carro, até a Herndon Avenue, a cerca de 1,6 km da delegacia de Mobile, onde deram 13 voltas de corda em seu pescoço e o dependuraram numa árvore, em frente à propriedade do pai de Henry, como se o filho quisesse lhe provar que era capaz de cumprir o que ele havia proposto.
Ao ser preso, Henry Hays estava com 29 anos e
acreditava, piamente, na impunidade 
Segundo a revista do The New York Times, o suplemento dominical do jornal, quando os policiais chegaram ao local onde estava o corpo, no alpendre da casa, na calçada oposta, estavam reunidos vários membros da United Klans of America, entre eles, os autores do linchamento e o dono da casa, Bennie Jack Hays, que, diante daquela cena, – conforme depoimento de um membro da entidade – comentou: "É uma bonita visão! Isso ficará bem no noticiário. E melhor ainda para a Klan”.

Uma mãe nunca desiste do filho

Beulah Mae Donald criou sozinha Michael Donald e seus cinco outros filhos 
Só quem não conhece as Madres de la Plaza de Mayo, cujos filhos foram mortos ou desapareceram durante a ditadura militar argentina, entre 1976 e 1983, ou as Mães de Maio, grupo de mulheres surgido no Rio de Janeiro, após 10 dias de chacinas, em 2006, que vitimaram 564 jovens, a maioria deles negros, pode imaginar que Beulah Mae G. Donald, mãe de Michael Donald, daria trégua aos assassinos do caçula de seus seis filhos. Em nenhum momento ela perdeu a esperança de vê-los punidos, nem poupou esforços para que isso ocorresse. Só não suportou estar presente no tribunal. Ainda mais ela que criou os filhos sozinha, abandoada pelo marido, pouco depois do nascimento de Michael.

Em vão, durante as primeiras investigações, policiais locais – alguns deles envolvidos com organizações racistas, como a própria Klan – tentaram incriminar o morto – costume que ocorre também nas periferias brasileiras –, afirmando que o crime foi motivado por dívida a traficantes de drogas, ou que ele teria se envolvido com uma jovem branca colega de trabalho e foi morto por vingança.
Beulah Mae provou que o filho não fazia o uso drogas. Quanto ao envolvimento com a garota, também não foi comprovado. O assassinato só podia ter motivação racista. Por isso, ela contatou o reverendo Jesse Jackson, famoso ativista da luta pelos Direitos Civis, que conquistou fama como grande parceiro do reverendo Martin Luther King Jr. (1929 -1968). Na tarde da quinta-feira, 4 de abril de 1968, quando King foi baleado por James Earl Ray, na varanda do quarto 306, do Lorraine Motel, em Memphis, no Tennessee, e morreu quando era socorrido no Saint Joseph Hospital, Jackson estava ao seu lado. Ray foi condenado a 99 anos de detenção e morreu o presídio, aos 70 anos, em 23 de abril de 1998.
Jesse Jackon ao lado de Martins Luther King Jr., minutos antes de
James Earl Ray (no detalhe) assassinar o líder da luta
pelos Direitos Civis do povo negro
Diante do pedido de Beulah Mae, em 1981, Jesse Jackson – que seria por duas vezes pré-candidato às eleições presidenciais dos EUA (1984 e 1988), pelo Partido Democrata – organizou uma marcha em Mobile, da qual participaram cerca de 8 mil pessoas. Em seu discurso, recomendou: "Não deixem que eles quebrem seu espírito". E exigiu solução do crime à polícia. 
A presença de uma personalidade de expressão internacional mobilizou tanto o FBI quanto o Departamento de Justiça local e forçou a reabertura do caso, próximo de seu arquivamento. 
O senador e advogado Michael A.Figures:
e o 1o. Klansman foi para a cadeira elétrica 


senador estadual e ativista dos Direitos Civis, Michael Antony Figures – um feroz inimigo da KKK – foi constituído advogado de Beulah Mae e, dois anos e meio após o linchamento, Henry Hays e James Knowles foram presos. 
Finalmente, a polícia chegou ao cúmplice dos dois assassinos, o motorista de caminhão Benjamin Franklin Cox Jr., que era genro de Bennie Jack Hays, da United Klans of America. O “Titã” também foi indiciado pelos crimes de conspiração e incitação ao homicídio. Henry Hays foi a júri – formado por 11 brancos e um negro. Declarado culpado, o sentenciaram à prisão perpétua. Mas o juiz Braxton Kittrell Jr., do Tribunal Distrital dos EUA, anulou o veredito e o sentenciou à morte por cadeira elétrica.
No ano seguinte, o Tribunal de Apelações Criminais do Alabama anulou a sentença de morte. Mas, meses depois, a Suprema Corte daquele estado confirmou a decisão de eletrocussão. Henry Hays permaneceu no corredor da morte, no Centro Correcional Holman, no Condado de Escambia, até  6 de junho de 1997, quando foi executado, em Yellow Mama.
James Knowles, que ao final do julgamento estava com 21 anos, se declarou culpado do homicídio, mas escapou da execução, por testemunhar contra Hays e afirmar que o objetivo do linchamento era "mostrar a força da KKK, no Alabama". Foi condenado a prisão perpétua e, em 2010, beneficiado por liberdade condicional. Um ano após seu julgamento, Benjamin Franklin Cox Jr., então com 28 anos, também foi condenado à prisão perpétua.
Aos 71 anos e bastante doente, Bennie Jack Hays foi levado a júri. Porém, antes de ser dado o veredito, sofreu um colapso cardíaco, em pleno tribunal. Morreu ao ser socorrido no Hospital da Universidade do Alabama. Pesava-lhe nos ombros a acusação de ser o mentor – conspirador – das ideias que resultaram no último linchamento praticado pela KKK, nos EUA, que levou ao fechamento do United Klans of America, a instituição da qual foi um dos fundadores e líderes. 

Descapitalizar: a melhor punição
Foi seu último linchamento:
a United Klans of America
foi à falência
Faltava, ainda, o golpe final contra a KKK. Beulah Mae Donald constituiu seu advogado o co-fundador do Centro de Direito da Pobreza do Sul (Southern Poverty Law Center - SPLC), em Montgomery, Morris Dees, num processo civil contra a United Klans of America e a Unidade 900. Comprometido com as lutas pelos Direitos Civis, Dees sempre atuou contra a KKK e particularmente contra Robert Shelton. E o testemunho de James Knowles foi fundamental para a conclusão final do julgamento da responsabilidade civil da entidade que ocorreu num tribunal federal. Para tanto, Knowles entrou para o programa do FBI de proteção a testemunhas.
O julgamento se encerrou em 1987, por decisão de um júri constituído apenas por jurados brancos, que condenaram a Klan ao pagamento de 7 milhões de dólares à família Donald, fazendo os demais grupos supremacistas, disseminadores de ódio contra as minorias, colocarem as próprias barbas de molho e sofrerem um esvaziamento de membros, temerosos de comprometerem seus bens pessoais em ações contra suas entidades. Além de ser levada à falência, a United Klans of America viu-se obrigada a entregar para a mãe de Michel Donald, a escritura de sua sede nacional, em Tuscaloosa, que foi vendida pela família por 225 mil dólares.
Ao final do processo vitorioso para a família Donald, Robert Shelton, o “Mago Imperial”, declarou à imprensa: "A Klan nunca voltará. Não com as vestes, comícios, cruzes em chamas e desfiles, tudo o que fez da Klan a Klan, o misticismo, o que chamamos de Klankraft. Eu ainda sou um Klansman, sempre serei.  A Klan é minha crença, minha religião. Mas não funcionará mais. A Klan se foi. Para sempre". Muitos tentam reavivar sua glória, mas tudo indica que Shelton tinha razão.
Beulah Mae Donald:
 "A mulher que derrotou a Klan"
Em dezembro de 1987, Beulah Mae Donald figurou entre as Mulheres do Ano da revista da Ms. Magazine. Ela também foi capa da The New York Times Magazine, e declarou que suas ações não foram motivadas pelo desejo de vingança: "Eu só precisava provar que meu Michael não fez nada errado. Queria saber quem realmente matou meu filho. Nem estava pensando no dinheiro. Se eu não tivesse ganho um centavo, não teria importância. Só queria saber como e por que eles fizeram essa maldade com ele?''. Em 17 de setembro de 1988, aos 67 anos, ela faleceu.   


... e a Herndon Avenue foi rebatizada de
Michael Donald Avenue, justa homenagem
Infelizmente, Beulah Mae G. Donald não chegou a ver a Herndon Avenue, onde o corpo de seu filho caçula ficou exposto, dependurado numa árvore, ser renomeada de Michael Donald Avenue, por iniciativa de Sam Jones, o primeiro prefeito negro de Mobile, em 2006. No ano seguinte, o escritor Ravi Howard lançou o romance Like Trees, Walking, baseado nessa história, que lhe rendeu um prêmio literário. Inspirados no linchamento de Donalds, foram feitos filmes de ficção e documentários, minisséries e especiais para TV, entre outras obras artísticas, como o livro The Lynching: The Epic Courtroom Battle That Brought Down the Klan (2016), de Laurence Leaner, lançado em 2016.

De volta ao começo...

Enfim, retomo o tema com o qual abri esta matéria para contar ao Sr. Monteiro Lobato que os brancos desse País de mestiços, ainda, não tiveram força para organizar uma Ku-Klux-Klan, apesar de tantos deslumbrados por essa instituição terem se desmascarado, nos tempos atuais. Para decepção dele, que pleiteava fosse feita justiça à KKK, informo que a justiça foi feita e, em consequência, a instituição United Klans of America, foi à falência. O tempo nos ensinou que o “devido lugar do negro” é onde ele bem desejar, pois tem capacidade de chegar onde quiser, se houve oportunidade. E a mestiçagem que, segundo ele “destrói a capacidade construtiva”, cada vez mais, se encontra em evidência, em todos os campos do conhecimento e da vida contemporânea.
Muitas daquelas pessoas que afirmaram não terem se tornado racistas, estimuladas pela leitura de obras desse autor, e que se desmascaram, pelas redes sociais e por outros meios, têm como espelho o atual chefe de Estado deste País. Que eles não se esqueçam de que ainda está em vigor a Lei 7.716/89 que define o crime de racismo, como inafiançável e imprescritível. Ela tipifica o preconceito racial e determina a pena de reclusão a quem cometa atos de discriminação por raça, cor ou etnia, extensiva a questões de religião ou procedência nacional. É esse crime que, inclusive, alicerça o GENOCÍDIO DA JUVENTUDE NEGRA.
Claro que os racistas se amparam na impunidade, desde os boletins de ocorrência em que, em vez de se instaurar inquérito pelo crime de RACISMO, o fazem por INJÚRIA RACIAL. Esses inquéritos geram processos que chegam aos tribunais, onde juízes, geralmente brancos e bem-nascidos, punem os acusados com penas de fornecimento de cestas básicas a comunidades carentes ou instituições, ou trabalhos comunitários.
Mas isso só vai ocorrer até o dia em que os primeiros racistas forem punidos com o rigor da lei, como aconteceu nos EUA. Aí virará jurisprudência e mais ninguém conseguirá conter o tsunami de ações contra racistas contumazes que, desde a infância, se sentiram no direto de menosprezar, vilipendiar e agredir a “carne preta” – “a mais barata do mercado” – e nos vêm a todos como uma multidão de Tias Nastácias, “macacas de carvão”.
Nós temos como modelo Beulah Mae Donald. Nada nos fará perder a esperança e jamais deixamos arrefecer nosso desejo de lutar.


Beulah Mae Donald e o advogado Morris Dees que
a ajudou a vencer a causa de US$ 7 milhões
contra a United Klans of America (UKA)