"QUEM QUER SER UMA MILIONÁRIA? "
Mulher negra, empreendedora, Madame C. J. Walker, transformou o infortúnio em fortuna para elevar, até os dias atuais, a autoestima de milhares de mulheres como ela.
“Eu quero!”, bradaria uma voz feminina, em meio aos algodoais da Luisiana, no Sul dos EUA, caso alguém fizesse, no século XIX, a pergunta-título do filme Slumdog Millionaire (Quem quer ser um Milionário?), do diretor britânico Danny Boyle, ganhador de 8 Oscars, inclusive o de melhor filme, em 2008. A dona da voz seria a menina Sarah Breedlove, nascida em 23 de dezembro de 1867, no Delta do Rio Mississipi, próximo ao Golfo do México. Sarah era a primeira filha, a nascer livre, do casal escravizado Minerva e Owen Breedlove.
Com a morte dos pais, quando ela ainda não havia completado 10 anos, muda-se para Vicksburg, no Mississipi, para viver com a irmã Lovênia, que era casada. Vai continuar colhendo algodão e a resposta também permanecerá a mesma: “Eu quero! Eu vou ser!”. O cunhado, cruel, só permite que Sarah resida com o casal, se lhe fizer alguns “favores sexuais”. Para fugir disso, a garota se casa, aos 14 anos, com Moses McWilliams, membro da mesma igreja e bem mais velho que ela. Ele morre em 1887, dois anos depois do nascimento de sua filha única, Lelia.
A viúva, com a filha no colo, se muda para Saint Louis, onde seus quatro irmãos – Alexander, Owen Jr., James e Sollomon – têm uma barbearia. Ao abandonar o campo, vai trabalhar com eles, lavando cabelos e ganhando US$ 1,50 por dia. “Depois disso – ironiza Sarah –, fui promovida, por pouco tempo, a cozinheira de madames sulistas”. Casa-se pela segunda vez, em 1894, agora com John Davis, do qual também vai enviuvar, em 1903.
Antes de seu segundo casamento, uma grave doença eclode no couro cabeludo e faz com que Sarah perca quase todos os cabelos. Em vão, ela tenta curar-se com os medicamentos caseiros e também com alguns dos produtos desenvolvidos pela empresária negra Annie Malone, de quem ela irá se tornar uma representante comercial, em 1905, quando mudar para Denver. Nessa mesma época irá se casar com o jornalista e publicitário Charles Joseph Walker. Sarah, porém, pensa grande e planeja também tornar-se uma importante empresária do rico mercado dos cosméticos. Valendo-se da experiência do marido no campo do marketing publicitário, adotará o nome de Madame C. J. Walker.
NECESSIDADE E PERSISTÊNCIA: O 1º MILHÃO
Ela própria começa a pesquisar e a desenvolver um xampu que a cura da doença e os cabelos voltam a nascer lindos e fortes. Decide comercializá-lo com o nome de "Wonderful Hair Grower", em tradução literal “cultivador de cabelos maravilhosos”. Muito religiosa, afirma que a fórmula desse produto, que cura o couro cabeludo, restaura e embeleza os cabelos, lhe foi revelada num sonho.
Os anos que se seguem assistem à Madame C. J. Walker Manufacturing Company, com sede em Indianápolis, se transformando num verdadeiro império. Na mesma cidade, Sarah mantém um bem montado salão de beleza, onde também é instalada uma pioneira escola para cabeleireiros, em que se ensina, inclusive, saúde capilar. Durante um ano e meio, a empresária percorre todo o Sul e Sudeste dos EUA vendendo seus produtos de porta em porta, em pousadas e igrejas de cidades com expressiva concentração de população afro-americana.
Sua filha Lelia McWilliams, que passa a chamar-se A’Lelia Walker, cria em Pittsburgh, no ano de 1908, uma escola em nível superior para capacitar formadores que irão orientar cabeleireiros e cabeleireiras como trabalharem com os produtos desenvolvidos pela mãe. Muda-se, então, para o Harlem, em Nova York, onde estabelece, num ousado edifício projetado pelo arquiteto negro Vertner Tandy, o Salão de Beleza Walker, um dos mais elegantes daquela metrópole. Cinco anos depois, Madame Walker viaja pela América Central e pelo Caribe não só para divulgação e vendas, mas também para contratar distribuidoras e vendedoras exclusivamente negras. Ao retornar, também transfere para o Harlem o escritório central de sua empresa.
Sua filha Lelia McWilliams, que passa a chamar-se A’Lelia Walker, cria em Pittsburgh, no ano de 1908, uma escola em nível superior para capacitar formadores que irão orientar cabeleireiros e cabeleireiras como trabalharem com os produtos desenvolvidos pela mãe. Muda-se, então, para o Harlem, em Nova York, onde estabelece, num ousado edifício projetado pelo arquiteto negro Vertner Tandy, o Salão de Beleza Walker, um dos mais elegantes daquela metrópole. Cinco anos depois, Madame Walker viaja pela América Central e pelo Caribe não só para divulgação e vendas, mas também para contratar distribuidoras e vendedoras exclusivamente negras. Ao retornar, também transfere para o Harlem o escritório central de sua empresa.
UMA MEGA EMPRESÁRIA E SEU POVO
Apesar slogan principal do capitalismo ser "cada um por si", a milionária Madame Walker, jamais se afasta da comunidade afro-americana. Ela doa US$ 5 mil para a NAACP (a Associação Nacional para o Progresso das Pessoas de Cor). Essa iniciativa visava ajudar a financiar o combate a dezenas de linchamentos de negros, no Sul dos EUA. A entidade fundada por ativistas como W.E.B Du Bois, se fortalece e assume o papel da mais importante instituição da luta pelos Direitos Civis dos afro-americanos. Sarah também faz várias doações para consolidar a Associação Cristã de Moços (YMCA), nas comunidades negras.
O ano de 1917 é marcado, no mundo todo, por transformações e muita violência. Nos EUA, turbas de homens brancos assassinam mais de três dúzias de negros, em East St. Louis, no estado de Illinois. Sarah se junta a um grupo de líderes do Harlem para visitar a Casa Branca e entregar ao presidente Woodrow Wilson uma petição defendendo a aprovação de legislação federal anti-linchamento.
Paralelamente, no mesmo ano Madame Walker organiza um dos primeiros encontros nacionais de mulheres de negócios, nos EUA, para o qual convoca todas as suas representantes no país e fora dele. Nessa convenção, além de agradecer e recompensar a todas elas pela contribuição ao sucesso de seu empreendimento, aproveita para incentiva-las ao ativismo político: "Não devemos deixar que o nosso amor pelo país e nossa lealdade patriótica façam nos omitirmos, na hora de protestar contra os erros políticos e a injustiça”.
Ao falecer, no dia 25 de maio de 1919, com a idade de 51 anos, em sua propriedade, a Villa Lewaro, no bairro de Irvington-on-Hudson, em Nova York, deixa um testamento em que a doa 2/3 de sua fortuna para a ajuda humanitária às causas de seu povo, em especial em favor da autoestima afro-feminina.
Reconhecida como uma das precursoras do surgimento das mulheres executivas norte-americanas e pioneira da moderna indústria de produtos para os cabelos afros e também cosméticos específicos para consumidores(as) negros(as), ela costumava dizer: "Não existe um caminho para o sucesso forrado de flores. Se existir, eu não o encontrei. Ao contrário, se eu realizei alguma coisa na vida, é porque sempre estive disposta a trabalhar duramente."
.................." JAMAIS NECESSITAMOS TANTO DESSA LUZ "
De 17 de dezembro de 2013 a 19 de janeiro de 2014, ocupou um espaço da Caixa Cultural, em São Paulo, a exposição MEMORIAL LUIZ GAMA, com imagens de personalidades negras, fotografadas por grandes profissionais, recriando o universo do advogado, jornalista, poeta, abolicionista e republicano Luiz Gonzaga Pinto da Gama. O curador do projeto, Max Muratório de Macedo, me convidou a escrever o catálogo que foi aberto com o texto abaixo:
... só porque fotografia é Luz
Que Luz é essa que, noite após noite, atravessa os portões de ferro do Cemitério da Consolação e desliza pelas avenidas, ruas, travessas, becos e vielas?
Luz que busca reconhecer São Paulo, mas São Paulo já não há. Não aquela que tão profundamente conheceu e que também não a reconhece. Duas estranhas, frente a frente.
Também, pudera, a cidade vestiu de asfalto todas as pedras dos calçamentos, nos quais se imprimiram as marcas profundas de suas pegadas de felino, a urrar contra a escravidão e o império...
São Paulo de quatrocentões escravocratas, cidade oligarca despudorada de ostentar seu baronato cafeeiro. São Paulo de orgulho bandeirante, voraz expansionista, caçadora de esmeraldas e de indígenas, destruidora de limites territoriais e de quilombos.
São Paulo de ontem? Não, de hoje, de sempre.
Uma das fotografias da exposição Memorial Luiz Gama
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Desliza até o Brás e passa em frente à porta da igreja que assistiu à disputa pelas alças de seu caixão. Ri, irônica, ao lembrar-se de poderosos, posando para lambe-lambes, tendo suas mãos arrancadas a força das alças douradas, por mãos negras e livres, livres e gratas, gratas e cerradas como quem brada: “Nunca mais!”
Luz nostálgica, divagando em lembranças de lampiões a gás e de bondes puxados a burros. E enojando-se ante a sombra de senzalas, grilhões, corpos negros marcados a chibatadas e ferro em brasa.
Desliza morro acima, em direção às Arcadas. O riso, agora, é quase gargalha, ao avistar seu retrato iluminado numa parede da sala, onde lhe foi negado o diploma de Direito por aqueles que se renderam aos conhecimentos desse rábula, devorador das obras encadernadas em fino couro da rica biblioteca, frequentador na condição de ouvinte. Ouvinte? Triste ilusão daqueles que mal conseguem ver além da cor da pele. Tardiamente irão descobrir que esse “bode”, com defeito de cor, tem ouvidos mocos a suas teorias racistas e uma boca imensa, sempre pronta a tonitruar em defesa dos injustiçados, em cujas cabeças jamais passa a mão. Já os vitimou, em vida, com humilhações em demasia. Não precisam de que também ela se some aos falsos filantropos.
Rábula? Dá de ombros. O que vale é a vitória nos tribunais. Libertar um após o outro, uma após a outra... multidão. E qualificar de “legítima defesa” – diante da prepotência dos que se julgam superiores, intocáveis –, a ação homicida do escravizado contra seu escravizador.
Luz, que “...libertava, consolava, dava conselhos, demandava, sacrificava-se, lutava, exauria-se no próprio ardor, como uma candeia iluminando à custa da própria vida as trevas do desespero daquele povo de infelizes, sem auferir uma sobra de lucro...”, testemunha o amigo admirador.
Luz de Luís (raio) Gama, cuja radiação é capaz de penetrar tão profundamente na matéria que a transforma em sua própria essência. Libertária, a libertar não só africanos raptados, acorrentados e arrastados para o lado de cá da apavorante Kalunga Grande, sobreviventes do banzo, dos maus-tratos e da reificação. Mas também corações e mentes, transformando jovens herdeiros das fortunas maculadas pelo sangue negro, em malungos combatentes contra esse crime de lesa-humanidade.
Luz de riso incontido, diante de seu busto altaneiro, no Largo do Arouche, olhando firme, de frente, para a rua que homenageia seu inimigo visceral, um juiz municipal suplente, que insiste em indeferir suas petições. Não. Tal atitude obsessiva não merece qualificação melhor que “estúpido emperramento”... mesmo que lhe custe a demissão, na repartição.
E continua a deslizar por aqui por acolá, essa Luz baiana, que um dia ainda infante, foi vendida pelo pai e falido, viciado em jogo, herdeiro perdulário de fortuna europeia. Luz nascida livre, olhar assustado de criança que, por conveniência, a mentira transformou em escrava. Dividida entre o temor do futuro incerto, a bordo do patacho Saraiva, e a esperança de encontrar a mãe, assim como ela, acorrentada e levada para o Rio de Janeiro.
A Luz de Luiz, meu livro mais recente,
com prefácio da Dra. Lígia Ferreira e
apresentação do rapper Rappi'n Hood,
traz num capítulo parte desse texto.
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Luz consciência, vibração, intensidade, tão amada por uma São Paulo, que a esqueceu. Luz Getulina, Luz Diabo Coxo, Luz Cabrião, Luz Coaraci, Luz Polichinelo, Luz Bodarrada, Luz Radical, Luz Maçônica... simplesmente Luz
Essa é a Luz que artistas engajados, como Walter Firmo, Eustáquio Neves, Denise Camargo e Eduardo Firmo imprimiram na camada fotossensível do papel. Luz na qual personalidades, como Luiz Melodia, Zeze Motta, Eduardo Silva, João Acaiabe, Gesio Amadeu, Sidney Santiago, Max Mu, Oswaldo Faustino mergulharam para dar-lhe voz e corporeidade.
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Bem-vindos à Luz!
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Alerta! Agarre, com força essa Luz, antes que São Paulo amanheça e volte a se deixar anestesiar pela amnésia.
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"PIXINGAR, UM VERBO BOM DE CHORO..."
O cansado coração de Pixinguinha decidiu-se a parar de vez, aos 76 anos, em 17 de fevereiro de 1973. Ele estava na Igreja Nossa Senhora da Paz, em Ipanema, e aguardava o início do batizado do filho de um amigo, de quem seria padrinho. Era sábado de carnaval. Lá fora estava passando um animado bloco, alguém anunciou que "São Pixinguinha" havia partido. Nesse dia, o samba chorou.
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"PIXINGAR, UM VERBO BOM DE CHORO..."
Os 8 Batutas, liderado por Pixinguinha, ao sax, na Paris de 1922 |
Sinta a alma banhada por melodias etéreas repletas de brasilidade e de magia, em que se revezam uma perfeita harmonização com riquíssimos improvisos. Pode chorar!
A flauta herdada do pai, quando ainda usava calças curtas, só foi traída pelo jovem Alfredo da Rocha Viana Filho, o Pixinguinha, quando ele se apaixonou pelo saxofone. Na verdade, nem daria para chamar de traição, pois uma e outro, com o passar do tempo, se tornaram uma extensão do corpo desse eterno menino que soprava diamantes.
A flauta e o sax, seus prediletos, mas Pixinguinha também tocava outros instrumentos musicais, como piano e violão |
Há milhares de fatos e lendas sobre Pixinguinha, nascido no bairro carioca da Piedade, em 1898, a quem uma das avós, uma africana banto, só chamava de “Pizindim”. Histórias que circulam pela maioria dos points boêmios do Rio de Janeiro. Sua veracidade, porém, só é certificada se tiver a chancela do Bar Gouveia – atual Wiskeria Gouveia –, na Travessa do Ouvidor, 27, Centro do Rio, que o músico, compositor e arranjador chamava de “escritório” e onde tinha mesa, cadeira e copo cativos.
Com a revigorizarão do Choro, considerado a primeira música urbana eminentemente brasileira, nascida no século XIX, “São Pixinguinha”, na década de 1960, volta a ocupar status de santo protetor da boemia, dos amantes da música popular instrumental, daqueles que aprenderam a chorar felicidade. A data de seu aniversário, 23 de abril, se tornou o Dia Nacional do Choro.
Dentre as dezenas de histórias sobre Pixinguinha reveladas pela deliciosa e rica biografia escrita por Marília Barbosa e Arthur de Oliveira, com o título de “Filho do Ogun Bexiguento”, publicada pela editora da Funarte, em 1979, algumas revelam com profundidade a personalidade de Pixinguinha e faço questão de relembra-las aqui:
Apesar da vida boêmia, das noitadas, das infindáveis viagens e dedicação ao trabalho de arranjador e orquestrador para bailes, estúdios de gravação e rádios, Pixinguinha nutria um amor quase devocional a Albertina da Rocha, conhecida por Betty, estrela da Companhia Negra de Revista, com quem se casou em 1927. O casal não teve filhos, mas adotou um bebê, que recebeu o nome de Alfredo da Rocha Vianna Neto, o Alfredinho.
Um beijo de Betty, no aniversário do amado, data instituída o Dia Nacional do Choro |
Um dia Betty, já com 73 anos, caiu doente e foi internada. Todos os dias, Pixinguinha elegantemente vestido, acompanhado pelo filho, ia visita-la levando um ramalhete de flores. Semanas depois, ele próprio sofreu um enfarte e também foi internado no mesmo hospital. Não querendo preocupa-la, ele pediu ao filho que levasse seu terno para o quarto em que se encontrava. Diariamente, na hora da visita, tirava o pijama, vestia o terno, dava nó na gravata, calçava os sapatos e caminhava lentamente amparado em Alfredinho. À porta do quarto da esposa, se empertigava e entrava para entregar o ramalhete a Betty que faleceu, em junho de 1972, sem jamais saber que o marido também estava doente e internado, há poucos metros dela.
Um amor só comparável ao que sentia pela música. Ao chegar para a missa de bodas de prata do casal, na igreja São Geraldo, ele soube que o organista, acompanhante do coral, havia faltado. Pediu ao filho que ficasse com a mãe no altar e sentou-se ao órgão. Além de acompanhar os cantos religiosos, brindou os presentes com improvisações memoráveis.
Na volta de uma apresentação, Pixinguinha foi surpreendido por três assaltantes, que apanharam o dinheiro do cachê e sua flauta. Ao reconhece-lo, porém, pediram desculpas, devolveram seus pertences e se ofereceram para escolta-lo até sua casa. Grato, o músico os convidou para algumas rodadas de cerveja e traçado, às suas custas, num botequim, onde rolou samba até o amanhecer.
Pixinguinha, sob o artístico olhar do fotógrafo Walter Firmo |
Desde então, sob as bênçãos de “São Pixinguinha”, o único Choro ao qual realmente vale a pena se entregar, sem limites nem moderação, é o musical, que chora felicidade... Pixinguemos, pois!
Bravos! Maravilhosos os retratos feitos pelo jornalista, escritor e poeta Oswaldo Faustino e pelo fotógrafo, Walter Firmo! Dois experts em retratar a humanidade e beleza do corpo e da alma, do grande e inigualável Pixinguinha! Obrigada!
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