terça-feira, 28 de março de 2017

QUEM QUER SER UMA MILIONÁRIA?















por Oswaldo Faustino

Mulher negra, empreendedora, Madame C. J. Walker, transformou o infortúnio em fortuna para elevar, até os dias atuais, a autoestima de milhares de mulheres como ela.


“Eu quero!, bradaria uma voz feminina, em meio aos algodoais da Luisiana, no Sul dos EUA, caso alguém fizesse, no século XIX, a pergunta-título do filme Slumdog Millionaire (Quem quer ser um Milionário?), do diretor britânico Danny Boyle, ganhador de 8 Oscars, inclusive o de melhor filme, em 2008. A dona da voz seria a menina Sarah Breedlove, nascida em 23 de dezembro de 1867, no Delta do Rio Mississipi, próximo ao Golfo do México. Sarah era a primeira filha, a nascer livre, do casal escravizado Minerva e Owen Breedlove.
Com a morte dos pais, quando ela ainda não havia completado 10 anos, muda-se para Vicksburg, no Mississipi, para viver com a irmã Lovênia, que era casada. Vai continuar colhendo algodão e a resposta também permanecerá a mesma: “Eu quero! Eu vou ser!”. O cunhado, cruel, só permite que Sarah resida com o casal, se lhe fizer alguns “favores sexuais”. Para fugir disso, a garota se casa, aos 14 anos, com Moses McWilliams, membro da mesma igreja e bem mais velho que ela. Ele morre em 1887, dois anos depois do nascimento de sua filha única, Lelia.
A viúva, com a filha no colo, se muda para Saint Louis, onde seus quatro irmãos – Alexander, Owen Jr., James e Sollomon – têm uma barbearia. Ao abandonar o campo, vai trabalhar com eles, lavando cabelos e ganhando US$ 1,50 por dia. “Depois disso – ironiza Sarah –, fui promovida, por pouco tempo, a cozinheira de madames sulistas”. Casa-se pela segunda vez, em 1894, agora com John Davis, do qual também vai enviuvar, em 1903.

Antes de seu segundo casamento, uma grave doença eclode no couro cabeludo e faz com que Sarah perca quase todos os cabelos. Em vão, ela tenta curar-se com os medicamentos caseiros e também com alguns dos produtos desenvolvidos pela empresária negra Annie Malone, de quem ela irá se tornar uma representante comercial, em 1905, quando mudar para Denver. Nessa mesma época irá se casar com o jornalista e publicitário Charles Joseph Walker. Sarah, porém, pensa grande e planeja também tornar-se uma importante empresária do rico mercado dos cosméticos. Valendo-se da experiência do marido no campo do marketing publicitário, adotará o nome de Madame C. J. Walker.

NECESSIDADE E PERSISTÊNCIA: O 1º MILHÃO


Ela própria começa a pesquisar e a desenvolver um xampu que a cura da doença e os cabelos voltam a nascer lindos e fortes. Decide comercializá-lo com o nome de "Wonderful Hair Grower", em tradução literal “cultivador de cabelos maravilhosos”. Muito religiosa, afirma que a fórmula desse produto, que cura o couro cabeludo, restaura e embeleza os cabelos, lhe foi revelada num sonho.
Os anos que se seguem assistem à Madame C. J. Walker Manufacturing Company, com sede em Indianápolis, se transformando num verdadeiro império. Na mesma cidade, Sarah mantém um bem montado salão de beleza, onde também é instalada uma pioneira escola para cabeleireiros, em que se ensina, inclusive, saúde capilar. Durante um ano e meio, a empresária percorre todo o Sul e Sudeste dos EUA vendendo seus produtos de porta em porta, em pousadas e igrejas de cidades com expressiva concentração de população afro-americana. 

Sua filha Lelia McWilliams, que passa a chamar-se A’Lelia Walker, cria em Pittsburgh, no ano de 1908, uma escola em nível superior para capacitar formadores que irão orientar cabeleireiros e cabeleireiras como trabalharem com os produtos desenvolvidos pela mãe. Muda-se, então, para o Harlem, em Nova York, onde estabelece, num ousado edifício projetado pelo arquiteto negro 
Vertner Tandy, o Salão de Beleza Walker, um dos mais elegantes daquela metrópole. Cinco anos depois, Madame Walker viaja pela América Central e pelo Caribe não só para divulgação e vendas, mas também para contratar distribuidoras e vendedoras exclusivamente negras. Ao retornar, também transfere para o Harlem o escritório central de sua empresa.


Uma MEGA empresária e seu povo


Apesar slogan principal do capitalismo ser "cada um por si", a milionária Madame Walker, jamais se afasta da comunidade afro-americana. Ela doa US$ 5 mil para a NAACP (a Associação Nacional para o Progresso das Pessoas de Cor). Essa iniciativa visava ajudar a financiar o combate a dezenas de linchamentos de negros, no Sul dos EUA. A entidade fundada por ativistas como W.E.B Du Bois, se fortalece e assume o papel da mais importante instituição da luta pelos Direitos Civis dos afro-americanos. Sarah também faz várias doações para consolidar a Associação Cristã de Moços (YMCA), nas comunidades negras.
O ano de 1917 é marcado, no mundo todo, por transformações e muita violência. Nos EUA, turbas de homens brancos assassinam mais de três dúzias de negros, em East St. Louis, no estado de Illinois. Sarah se junta a um grupo de líderes do Harlem para visitar a Casa Branca e entregar ao presidente Woodrow Wilson uma petição defendendo a aprovação de legislação federal anti-linchamento.
Paralelamente, no mesmo ano Madame Walker organiza um dos primeiros encontros nacionais de mulheres de negócios, nos EUA, para o qual convoca todas as suas representantes no país e fora dele. Nessa convenção, além de agradecer e recompensar a todas elas pela contribuição ao sucesso de seu empreendimento, aproveita para incentiva-las ao ativismo político: "Não devemos deixar que o nosso amor pelo país e nossa lealdade patriótica façam nos omitirmos, na hora de protestar contra os erros políticos e a injustiça”. 
Ao falecer, no dia 25 de maio de 1919, com a idade de 51 anos, em sua propriedade, a Villa Lewaro, no bairro de Irvington-on-Hudson, em Nova York, deixa um testamento em que a doa 2/3 de sua fortuna para a ajuda humanitária às causas de seu povo, em especial em favor da autoestima afro-feminina.
Reconhecida como uma das precursoras do surgimento das mulheres executivas norte-americanas e pioneira da moderna indústria de produtos para os cabelos afros e também cosméticos específicos para consumidores(as) negros(as), ela costumava dizer: "Não existe um caminho para o sucesso forrado de flores. Se existir, eu não o encontrei. Ao contrário, se eu realizei alguma coisa na vida, é porque sempre estive disposta a trabalhar duramente.

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