por Oswaldo Faustino
Acabo
de ler uma pequena biografia intitulada: “WINNIE MADIKIZELA-MANDELA, A CHAMA NA LUTA CONTRA O APARTHEID"... e meu sentimento, neste momento, é de que
este resgate é mais do que necessário.
Não. Não sonho com a
canonização dessa controversa personagem, até porque, há muitas décadas,
abandonei o maniqueísmo cristão para recuperar o que há de melhor no pensamento
humanista. Mas espero que, após a leitura deste pequeno artigo, as pessoas
reflitam e abandonem a caricatura cruel construída pelo CNA-Congresso Nacional
Africano, pela Justiça sul-africana e pela mídia internacional. Aí, tomara que nos
reencontremos com a essência da gigantesca Nomzamo Winifred Zanyiwe Madikizela
Winnie Mandela.
O povo Xhosa ocupa as duas áreas mais ao Sul do país |
Winnie jamais se esqueceu da única surra que tomou da mãe por atirar uma lata com um prego contra uma irmã, acertando-a na face. Tinha menos de 8 anos, a idade em que estava quando Gertrude faleceu, ao dar a luz a um menino, em Bizana, para onde a família tinha se mudado. Apesar da pouca idade Winnie se encarregou da criação do irmãozinho. Pouco antes da mãe, sua irmã mais velha, Vuyelwa, também havia falecido, vítima de tuberculose. A Fé que a menina tinha em Deus sofreu um grande abalo.
Um ano depois, voltam para Mbongeni. Além das primeiras letras, foi o tempo em que se aproximou muito mais do orgulhoso e correto Columbus, ajudando-o nas atividades agropecuárias. Ao contrário de outros fazendeiros, porém, o pai valorizava, quase obsessivamente, a Educação, no sentido da formação escolar dos filhos.
DESCOBERTA DO APARTHEID
No mesmo ano da mudança para Mbongeni, 1945, Winnie teve sua primeira experiência com o apartheid – regime legal racista e segregacionista que imperou na África do Sul de 1948 até 1994, precedido por leis discriminatórias de 1913 e 1918 –. Foi um episódio bastante marcante para a menina de apenas 9 anos: a prefeitura local organizou uma festa para celebrar o fim da Segunda Guerra Mundial. Winnie, o pai, os irmãos e irmãs arrumaram-se, lindamente, para ir à festa e, ao chegar no local, foram proibidos de participar, pois o evento era "só para brancos".
A mente da menina fervilhava e a ela logo percebeu que, apesar de ser superior a 70% a população negra de Bizana, a cidade grande mais próxima, onde haviam residido, todas as
lojas e serviços pertenciam a brancos. Uma cena específica ficou tatuada
em sua mente: um homem negro sendo chutado e expulso de uma loja, por um jovem
branco, apenas por ter partido um pão, dentro do estabelecimento, para
alimentar a esposa, que estava amamentando seu bebê.
Mas não foi só atitude do rapaz, filho dos donos da loja, que deixou
Winnie mais estupefata. Foi ver o homem expulso, com a esposa, que levava a criança no colo, não esboçar reação. Pior, ainda, foi ver o silêncio de seu próprio pai, um moralista convicto, diante daquela cena. Ela demorou a se dar conta de que a lei
obrigava, muito cedo, as crianças negras a verem seus pais sendo humilhados,
absolutamente impotentes.
Nessa época, ainda não havia lei separando as escolas para negros
das destinadas aos brancos, o que só ocorreu na década de 1950. Assim, Winnie se
beneficiou de uma formação básica de muita qualidade e obteve condições para ingressar, numa exigente escola missionária metodista, em Qumbu, que pertence
a Shawsbury.
Dezesseis anos mais velho, divorciado e líder do CNA |
Casam-se em 14/07/1958 |
Não havia dúvida de que os dotes físicos, ou qualquer outro atrativo entre ambos era inferior ao anseio dos dois pela transformação política de seu país e das vidas de seu povo. Desde 1956, o Mandela, que Winnie conheceu, por quem se apaixonou e de quem recebeu o pedido de casamento, em 10 de março de 1957, era um dos líderes do grupo de réus do processo judicial “por traição”, conspiração, incitação a greve geral, entre outros crimes, atribuídos à cúpula do CNA.
O casal e a filha mais velha, Zindzi |
Nelson e Winnie ficaram
noivos, em 25 de maio de 1958, se casaram, em 14 de junho do mesmo ano, em
Johanesburgo e tiveram duas filhas: Zindzi e Zenani.
Após o Massacre de
Sharpeville, em Johanesburgo, em 21 de março de 1960, que resultou na morte de 69 manifestantes e ferimentos
graves em 180 pessoas, o CNA abandonou a proposta de luta não-violenta e se
tornou ilegal. Mandela entrou para a clandestinidade e viajou, sem
autorização, por vários países da África e da Europa, denunciando o governo de
seu país.
Na volta, em agosto de 1962, foi preso e, com os demais acusados, foi para julgamento. Em 1964, o veredito. A expectativa era de que ele e seu grupo fossem condenados à morte, mas o juiz surpreendeu, condenando-os a prisão perpétua, na Ilha Robben. Mandela só foi libertado 27 anos depois, em fevereiro de 1990. O apartheid ainda sobreviveu até 1994, quando ocorreram as primeiras eleições democráticas na Africa do Sul.
UMA VOZ TONITRUANTE JAMAIS SE CALA
Desde a prisão do marido, Winnie se tornou a voz de Mandela, mundo afora. Não poucas vezes foi detida e confinada pela polícia. Mesmo assim, se na década de 1980, o mundo se mobilizou para por um fim ao apartheid na África do Sul, foi graças aos ecos de sua voz, replicados por uma infinidade de intelectuais, artistas, ativistas, indivíduos e instituições, em países dos seis continentes.
Mandela livre, em 11/02/1990 |
Winnie conheceu o inferno, após as graves acusações contra ela e a seu time de futebol, no fim de seu relacionamento com Mandela, apresentadas pela Comissão de Direitos Humanos, encampadas pelo CNA, acatadas pela Justiça sul-africana e disputadas a dentadas pelas hienas midiáticas internacionais. Foi presa, pagou multa altíssima e caiu no ostracismo. Mas não deixou de ser uma figura de referência para o Congresso Nacional Africano, que governa a África do Sul desde as primeiras eleições democráticas que fizeram de Nelson Mandela o 1o. presidente negro da África do Sul e que, surpreendentemente, demonstrou ser agregador e não revanchista. Ele acabou dividindo com seu antigo inimigo, o ex-presidente Frederik Willem de Klerk o prêmio Nobel da Paz, em 1993.
Winnei faleceu em 02/02/2018 |
Outra guerreira sul-africana que merece uma biografia por seu espírito revolucionário, na luta contra o apartheid e pelos Direitos Humanos, é cantora Zenzile Miriam Makeba, que ficou conhecida mundialmente pelo hit “Pata Pata”, de 1967, e que recebeu o apelido de "Mama África". De Makeba, sobre quem desejo, em breve, escrever um perfil biográfico, como este, deixo apenas sua frase famosa sobre Shaka Zulu, o grande líder estrategista da resistência do povo Zulu, cujas guerrilhas infernizaram a vida dos colonizadores europeus:
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