Meu saudoso amigo, o ator e contador de histórias JOÃO ACAIABE, volta e meia, me pedia que escrevesse uma história para ele contar para as crianças. Como ele viveu o Tio Barnabé, no Sítio do Picapau Amarelo, na TV Globo, um dia escrevi para ele este conto:
COM LICENÇA, SEU BENTINHO!
Toc...
Toc...Toc...
Aquela
batida na porta fez escritor interromper seu almoço. Mesmo mal-humorado, ele
gritou:
–
A porta está aberta... pode entrar!
A
porta se escancarou e a luz do Sol, lá fora, revelou a imagem de um homem
velhinho como eu, de barbas brancas, com roupas humilde e chapéu de palha nas
mãos, seguro em frente ao peito...
–
Com licença, Seu Bentinho!
Ao
ver aquele homem, Lobato, o escritor, sentiu que o conhecia, mas não se lembrava de
onde. Procurou que procurou em suas lembranças, até que se viu menino, passando
férias no sítio de sua avó, Dona Benta, lá em Taubaté, no Vale do Paraíba. Sim.
Só podia ser ele, o carroceiro que lhe contava histórias, lá no sitio, o Tio Barnabé.
–
Que surpresa, Barnabé! Há quanto anos! O que te traz aqui no Rio de Janeiro?
–
Sabe o que é, Seu Bentinho? Eu vim lá do sítio pra contar uma coisa que eu vi,
ontem, e que me deixou muito triste.
–
Triste? O que foi Barnabé? O que fizeram a você?
–
Não foi comigo, não, senhor... foi com a Tia Nastácia...
–
O que aconteceu com Nastácia? Está doente? Caiu? Se machucou?
–
De saúde está igual. Coisas do velho reumatismo, né? Mas, ontem, eu entrei na
cozinha e ela estava sentada num banquinho, chorando demais. E nãoconsegui consolar ela de jeito nenhum...
–
Chorando? Chorando por que? Ela sempre foi muito bem tratada por todos no
sítio...
–
Bem tratada, mais ou menos, né, seu Bentinho...
–
Como assim? Quem a está maltratando? Me fale que sou capaz de ir agora mesmo até o sítio para tirar
satisfação... gosto muito daquela preta velha...
–
Sabe quem maltratou a Tia Nastácia, Seu Bentinho?
–
Quem?
–
O Senhor...
–
Como assim? Eu jamais faria isso com ela... é uma pessoa querida...
–
O senhor sabe que a Nastácia, igual eu, não sabe ler, né?
–
Isso é verdade. O analfabetismo é o maior dos males desta terra... mas o que
isso tem a ver com o choro da Nastácia?
–
Pois é, ela soube pela Emília, que o senhor escreveu sobre ela no livro "Caçadas
de Pedrinho".O senhor, Seu Bentinho, sabe que ela é muito curiosa e queria saber o que o senhor escreveu. Aí o Marques de Sabugosa leu
que uma onça invadiu o sítio e que: “Tia Nastácia, esquecida dos seus numerosos
reumatismos, trepou que nem uma macaca de carvão pelo mastro de São Pedro
acima, com tal agilidade que parecia nunca ter feito outra coisa na vida senão
trepar em mastros.”
–
Ah. Bobagem. Isso foi lá em 1933... eu era ainda muito jovem quando escrevi esse livro ... faz tantos anos...
– Pois é, há tantos anos, as crianças, que leem seu livro, aprendem que Tia Nastácia parece uma "macaca de carvão"... ninguém quer ser chamado nem de macaco, nem de carvão, nem que tem carne preta e que é beiçuda... não é verdade, Seu Bentinho?~
Lobato sorri amarelo e parece que vai se justificar, quando o velho Tio Barnabé lhe entrega uma folha de papel.
– O Pedrinho, que já está um homem formado, conheceu uma moça, amiga da Narizinho Arrebitado, muito bonita, pretinha que nem nós. Gostou dela, mas vendo como ela é tratada mal pelas pessoas, começou a ler de novo vários dos seus livros. Aí ele lhe escreveu isso aqui.
Entrega-lhe um bilhete pedindo:
– O senhor pode ler em voz alta para eu saber o que está escrito?
Sem
graça, o escritor tenta soltar um pigarro da garganta e lê: “No livro 'Peter
Pan', Emília diz: ‘Uma fada morre sempre que vê uma negra beiçuda’. Até a
Vovó Benta, em História do mundo para as Crianças, diz que a Tia
Nastácia é 'uma pobre negra analfabeta. Tudo que era crendice, lembro
bem, era coisa de preta velha’.
Numa passada de olhos no bilhete, vê um trecho da carta a seu amigo, da Sociedade Eugenista, Artur Neiva, de 1928: "País de mestiços, onde branco não tem força para organizar uma Kux-Klan, é país perdido para altos destinos […] Um dia se fará justiça ao Ku-Klux-Klan; tivéssemos aí uma defesa desta ordem, que mantém o negro em seu lugar, e estaríamos hoje livres da peste da imprensa carioca — mulatinho fazendo jogo do galego, e sempre demolidor porque a mestiçagem do negro destrói a capacidade construtiva".
E Pedrinho, através do bilhete, continua: Em 1926, nos EUA, tentou publicar o livro "O Presidente Negro", que se passa no futuro, em 2228. Conta uma história sobre a disputa para presidência dos EUA, em 2228, entre um homem branco e uma feminista. Nas eleições, porém, dá tudo errado e, acidentalmente, é eleito um candidato negro.. Aí o senhor afirma=ou que "os EUA tiveram sorte de não ter mistura racial..." que há no Brasil e defende "a esterilização da raça negra".
Quando a uma editora respondeu que "Os negros são cidadãos americanos, parte integrante da vida nacional", protestou, respondendo sobre o livro: "Acham-no ofensivo à dignidade americana... eu deveria ter vindo, no tempo em que se linchavam os negros." . No livro...
O
escritor parou... não aguentou ler o
resto. Nunca tinha pensado sobre isso. E descobriu o mal que fez à Tia
Nastácia, que sempre preparou as delícias que ele mais gostava de comer, quando
ele estava no sítio do Picapau Amarelo, e o tratava com o maior carinho...
Tantos anos depois, Tio Barnabé veio lhe contar do mal que isso fez não só à
velha cozinheira, mas a todas as pessoas que têm a mesma cor e origem dela...
Lembrar-se, então, das próprias falas racistas da Sociedade Eugênica de São Paulo... e Lobato chorou... pediu perdão e prometeu a si próprio que nunca mais falará dessa maneira sobre as pessoas, só porque são diferentes dele... Foi assim que José Bento Renato Monteiro Lobato, Bentinho para os íntimos, descobriu a beleza e a importância da Diversidade... somos todos diferentes, mas temos de ser iguais, no coração, e no direto de sermos respeitados e felizes.
“WINNIE MADIKIZELA-MANDELA, A CHAMA NA LUTA CONTRA O APARTHEID"... e meu sentimento, neste momento, é de que
este resgate é mais do que necessário.
Não. Não sonho com a
canonização dessa controversa personagem, até porque, há muitas décadas,
abandonei o maniqueísmo cristão para recuperar o que há de melhor no pensamento
humanista. Mas espero que, após a leitura deste pequeno artigo, as pessoas
reflitam e abandonem a caricatura cruel construída pelo CNA-Congresso Nacional
Africano, pela Justiça sul-africana e pela mídia internacional. Aí, tomara que nos
reencontremos com a essência da gigantesca Nomzamo Winifred Zanyiwe Madikizela
Winnie Mandela.
O povo Xhosa ocupa as duas áreas mais ao Sul do país
Dizem que o maior sonho de Columbus
Madikizela, ministro de Florestas e Agricultura do bantustão xhosa Mbongeni, no
Transkei, e de sua esposa, a professora Nomathamsanqa Mzaidume – que carregava o nome ocidental de Gertrude – era de que o quinto de seus nove filhos fosse um menino. A criança que
nasceu em 26 de setembro de 1936, porém, era uma menina. Tão intenso era o desejo
dos pais, que ela veio com uma virilidade superior à dos irmãos: entre outras
coisas, era campeã nas lutas e na montagem de armadilhas para caça de animais.
Winnie jamais se esqueceu
da única surra que tomou da mãe por atirar uma lata com um prego contra uma irmã, acertando-a na face. Tinha menos de 8
anos, a idade em que estava quando Gertrude faleceu, ao dar a luz a um menino,
em Bizana, para onde a família tinha se mudado. Apesar da pouca idade Winnie se encarregou da criação do irmãozinho. Pouco antes da mãe, sua irmã mais velha, Vuyelwa,também havia
falecido, vítima de tuberculose. A Fé que a menina tinha em Deus sofreu um grande
abalo.
Um ano depois, voltam para Mbongeni. Além das
primeiras letras, foi o tempo em que se aproximou muito mais do orgulhoso e correto Columbus, ajudando-o nas atividades agropecuárias. Ao contrário de outros
fazendeiros, porém, o pai valorizava, quase obsessivamente, a Educação, no
sentido da formação escolar dos filhos.
DESCOBERTA DO APARTHEID
No mesmo ano da mudança para Mbongeni, 1945, Winnie teve sua primeira
experiência com o apartheid – regime legal racista e segregacionista que
imperou na África do Sul de 1948 até 1994, precedido por leis discriminatórias
de 1913 e 1918 –. Foi um episódio bastante marcante para a menina de apenas 9
anos: a prefeitura local organizou uma festa para celebrar o fim da Segunda
Guerra Mundial. Winnie, o pai, os irmãos e irmãs arrumaram-se, lindamente, para ir à
festa e, ao chegar no local, foram proibidos de participar, pois o evento era "só para
brancos".
A mente da menina fervilhava e a ela logo percebeu que, apesar de ser superior a 70% a população negra de Bizana, a cidade grande mais próxima, onde haviam residido, todas as
lojas e serviços pertenciam a brancos. Uma cena específica ficou tatuada
em sua mente: um homem negro sendo chutado e expulso de uma loja, por um jovem
branco, apenas por ter partido um pão, dentro do estabelecimento, para
alimentar a esposa, que estava amamentando seu bebê.
Mas não foi só atitude do rapaz, filho dos donos da loja, que deixou
Winnie mais estupefata. Foi ver o homem expulso, com a esposa, que levava a criança no colo, não esboçar reação. Pior, ainda, foi ver o silêncio de seu próprio pai, um moralista convicto, diante daquela cena. Ela demorou a se dar conta de que a lei
obrigava, muito cedo, as crianças negras a verem seus pais sendo humilhados,
absolutamente impotentes.
Nessa época, ainda não havia lei separando as escolas para negros
das destinadas aos brancos, o que só ocorreu na década de 1950. Assim, Winnie se
beneficiou de uma formação básica de muita qualidade e obteve condições para ingressar, numa exigente escola missionária metodista, em Qumbu, que pertence
a Shawsbury.
Dezesseis anos mais velho, divorciado e líder do CNA
Além de evoluir intelectualmente e se politizar, graças inclusive à irmã
Nancy, que abandonou a escola e foi trabalhar para bancar os estudos de Winnie, destacou-se de tal maneira que, aos 22 anos, chamou a atenção de um importante líder da luta anti-apartheid, 16 anos mais velho que ela e divorciado de Evelyn Ntoko Mase. Seu nome era Nelson Rolihlahla
Mandela, o Madiba -- nome no clã --, e o futuro, Tata,
que quer dizer "pai" da nação. Vale lembrar que Rolihlahla, seu nome do meio, significa em xhosa: “aquele não dispensa uma boa briga”.
Casam-se em 14/07/1958
Não havia dúvida de que os dotes físicos, ou qualquer outro atrativo
entre ambos era inferior ao anseio dos dois pela transformação política de seu
país e das vidas de seu povo. Desde 1956, o Mandela, que Winnie conheceu, por
quem se apaixonou e de quem recebeu o pedido de casamento, em 10 de março de 1957,
era um dos líderes do grupo de réus do processo judicial “por traição”,
conspiração, incitação a greve geral, entre outros crimes, atribuídos à cúpula
do CNA.
O casal e a filha mais velha, Zindzi
Nelson e Winnie ficaram
noivos, em 25 de maio de 1958, se casaram, em 14 de junho do mesmo ano, em
Johanesburgo e tiveram duas filhas: Zindzi e Zenani.
Após o Massacre de
Sharpeville, em Johanesburgo, em 21 de março de 1960, que resultou na morte de 69 manifestantes e ferimentos
graves em 180 pessoas, o CNA abandonou a proposta de luta não-violenta e se
tornou ilegal. Mandela entrou para a clandestinidade e viajou, sem
autorização, por vários países da África e da Europa, denunciando o governo de
seu país.
Winnie, Zindzi e Zenani
Na volta,
em agosto de 1962, foi preso e, com os demais acusados, foi para julgamento. Em
1964, o veredito. A expectativa era de que ele e seu grupo fossem condenados à morte, mas o juiz surpreendeu, condenando-os a prisão perpétua, na Ilha Robben. Mandela só foi libertado 27 anos depois, em fevereiro de
1990. O apartheid ainda sobreviveu até 1994, quando ocorreram as primeiras eleições democráticas na Africa do Sul.
UMA VOZ TONITRUANTE JAMAIS SE CALA
Desde a prisão do marido, Winnie se
tornou a voz de Mandela, mundo afora. Não poucas vezes foi detida e confinada pela polícia. Mesmo assim, se na década de 1980, o mundo se
mobilizou para por um fim ao apartheid na África do Sul, foi graças aos ecos de
sua voz, replicados por uma infinidade de intelectuais, artistas, ativistas,
indivíduos e instituições, em países dos seis continentes.
Mandela livre, em 11/02/1990
Winnie conheceu o inferno, após as graves acusações contra ela e a seu time de futebol, no fim de seu relacionamento com Mandela, apresentadas pela Comissão de Direitos Humanos, encampadas pelo CNA,
acatadas pela Justiça sul-africana e disputadas a dentadas pelas hienas midiáticas
internacionais. Foi presa, pagou multa altíssima e caiu no ostracismo. Mas não deixou de ser uma figura de referência para o Congresso Nacional Africano, que governa a África do Sul desde as primeiras eleições democráticas que fizeram de Nelson Mandela o 1o. presidente negro da África do Sul e que, surpreendentemente, demonstrou ser agregador e não revanchista. Ele acabou dividindo com seu antigo inimigo, o ex-presidente Frederik Willem de Klerk o prêmio Nobel da
Paz, em 1993.
Winnei faleceu em 02/02/2018
Não vou me debruçar sobre as acusações contra Winnie. Prefiro guardar para sempre sua apaixonante imagem da heroína que, com suas filhas, jamais desistiu de lutar e de deixar o apartheid nu diante dos olhos do mundo e totalmente desarmado para ser pulverizado. Na segunda-feira, 2 de fevereiro, de 2018, aos 81 anos, ela faleceu no Hospital Milkpark, em Johanesburgo, onde tinha sido internada para curar uma forte gripe.
Em 1985, o cantor e compositor Milton Nascimento lançou a canção "Lágrima do Sul", composta em parceria com Marco Antônio Guimarães, em homenagem a Winnie Mandela. Essa canção está no álbum "Encontros e Despedidas" e pode ser ouvida pelo YouTube.
Outra guerreira sul-africana que merece uma
biografia por seu espírito revolucionário, na luta contra o apartheid e pelos Direitos Humanos, é cantora Zenzile Miriam Makeba, que ficou conhecida mundialmente pelo hit “Pata Pata”, de 1967, e que recebeu o apelido de "Mama África". De Makeba, sobre quem desejo, em
breve, escrever um perfil biográfico, como este, deixo apenas sua frase famosa sobre Shaka Zulu, o grande líder estrategista da resistência do povo Zulu, cujas guerrilhas infernizaram a vida dos colonizadores europeus:
“Dizem que Shaka Zulu era o
Napoleão Negro. Enganam-se. Napoleão é que era o Shaka Zulu branco”.
Início da década de 1990. Jornalista que se criou ouvindo sambas, boleros e bossa nova e que não tinha a
menor dúvida de que "o rei do pagode" era o sambista Almir Guineto, fui editar Moda & Viola, uma revista
especializada em música sertaneja e me deparei com o primeiro artista a receber este
título...
O rodeios, no Brasil, surgiram em Barretos, em 1947
O primeiro rodeio no Brasil -- onde no século XIX, existiam até touradas --, aconteceu, em 1947, na cidade de Barretos, interior paulista. Oito anos depois, no dia 15 de julho, um grupo de jovens solteiros, que se declaravam economicamente autossuficientes, criou o Clube "Os Independentes" que, a partir do ano seguinte se tornou responsável pela realização da Festa do Peão de Boiadeiro mais importante da América Latina. Cerca de 40 anos depois, essa Festa passou a fazer parte do
calendário mundial de rodeios, mesclando os desafios de valentes peões, montados em
touros e cavalos bravios, uma mega feira de produtos específicos do mundo agrário e grandes shows.
O fascínio de Almir Sater pelo veterano Tião Carreiro
E lá estávamos nós, o repórter-fotográfico Inácio Teixeira e eu, bem perto do palco, na noite principal da Festa, naqueles anos 90, saboreando, mas ávidos pelo o término do show, para podermos entrevistar os cantores, compositores e violeiros
Almir Sater e Tião Carreiro.
Para a juventude presente no Parque, projetado por Oscar Niemeyer, com cerca de 50 mil pessoas, a grande
estrela da noite era Almir Sater que, na época, protagonizava a novela “Ana
Raio e Zé Trovão”, exibida pela TV Manchete, em que vivia par amoroso com a atriz Ingra Liberato.
De
repente, arrebentou-se uma das cordas da viola de Tião Carreiro. Diante dos
olhos surpresos da multidão, Sater entregou seu instrumento
ao velho violeiro e apanhou a viola avariada para ser encordoada e afinada por um roadie de palco. A humilde atitude do jovem violeiro foi aplaudida em pé pela multidão.
Terminado o show,
Almir concedeu-me entrevista, a quarta ou quinta que eu realizava com ele para
aquela revista e para o jornal Diário Popular, onde fui editor de Cultura. Quando me dirigi a Tião Carreiro, ele alegou cansaço e me
disse: “Te dou entrevista, amanhã, na casa de Rose Abrão”.
MAS QUEM
É ROSE ABRÃO?
O "Sobrado da Alegria"
Aquela era a primeira vez em que estávamos cobrindo a
Festa do Peão de Boiadeiro. Não conhecíamos ninguém na cidade, nem fazíamos
ideia de onde ficava a tal casa e desconhecíamos, inclusive, quem seria essa
pessoa mencionada pelo músico. Pergunta
aqui, pergunta ali, e acabamos chegando no número 118 da Rua 30, na esquina
da Avenida 47, no "Sobrado da Alegria", que João Pacífico -- o famoso compositor de "Cabocla Tereza" e de "Chico Mulato" -- chamava de “quartel general dos violeiros”.
Subimos os dois lances de escada, encontramos a porta aberta. No interior do
sobrado, uma sala imensa, com uma longa mesa de uns cinco metros de comprimento, com
ricos fazendeiros sentados em ambos os lados. Lá no fundo, na ponta da mesa,
estava o “rei do pagode”, Tião Carreiro, sendo reverenciado por todos os
presentes.
O anfitrião, Rose Abrão , nos recebeu
de braços abertos, como se nos conhecesse, há muito tempo. Nos convidou a
almoçar e ele próprio nos serviu o churrasco. Um dos fazendeiros da cidade de Olímpia,
sentado a meu lado, cuidou de me ambientar. Contou que, em vez de gastarem seu dinheiro em hotéis, nos dias da Festa, eles preferiam se cotizar e ficar hospedados no
sobrado de Rose Abrão, um comerciante de cereais, cujo nome verdadeiro era Gaze Abrão, e que, como eles, era apaixonado pela música de viola.
Rose Abrão: viola, a paixão
Havia uma boa razão para se hospedarem
na casa de Abrão, desde
o tempo em que ele residia no número 1.126 da Avenida 47, na esquina da Rua 28,
antes de mudar-se, em 1984, para o "Sobrado da Alegria": eram as festas que ali se realizavam e que duravam a noite inteira, com a presença de grandes e famosos violeiros e belas moças, durante todos os dias da Festa do Peão
de Boiadeiro.
Boiada ao estilo do velho Oeste, rumo a Barretos
O que mais Inácio e eu ouvimos dos fazendeiros, naquela mesa, foram façanhas, que se iniciavam em suas propriedades em Minas Gerais, ou em Goiás, ou no Mato
Grosso, como: “Vou trazer 12 mil cabeças de gado – garantiu um deles –, pela
estrada, no estilo do Velho Oeste. E, chegando na ponte do Rio Pardo, mato um boi e
ponho pra assar no rolete, em homenagem ao Tião, nosso rei. Quem chegar vai
comer de graça e à vontade.”
SUA MAJESTADE, O REI!!!
Sim. Realizei a tão esperada entrevista,
numa sala em separado, para desencantos dos poderosos súditos de Sua Majestade,
que se deleitavam com a viola e a voz de Tião Carreiro, o mineiro de Monte
Azul, quarto dos sete filhos – quatro meninos e três meninas – do casal de lavradores
Orcissio Dias Nunes e Julia Alves das Neves. Ali estava um artista caboclo – na verdade, cafuzo, descendente de negros e indígenas –, que tinha o poder de transportar nosso
espírito metropolitano para a roça e nos apresentar a vida caipira, nas suas mais belas cores.
Casa em que nasceu, em Monte Azul
Era bastante humilde a casinha, onde nasceu José Dias Nunes, nome que o menino recebeu na pia batismal, numa pequena igreja do extremo Norte do
sertão mineiro, em dezembro de 1934. O registro, em cartório, só aconteceu muito anos depois, quando foram feitas as certidões de nascimento dos sete filhos do casal. A seca, na região expulsou a família de Monte Azul para
o interior do estado de São Paulo, na cidade de Paulópolis, onde seu pai
faleceu, meses depois, deixando-lhe de herança seu primeiro violão.
A solução encontrada por Dona Júlia,
foi mudar-se para a casa de sua mãe, Dona Porcidonia, em Flórida Paulista. Passado um tempo, nova mudança, desta vez para Valparaíso. José nunca frequentou
escola. Alfabetizou-se sozinho lendo velhos jornais, em que vinham embrulhadas as compras. Também de maneira autodidata, começou a dedilhar o vilão e a descobrir
os acordes.
Ainda adolescente, trabalhando de
garçom no restaurante de hotel de Manoel Padeiro, nas horas vagas, cantava músicas
populares. Os elogios a seu timbre barítono, o incentivaram se unir ao primo
Valdomiro, na formação da dupla Zezinho e Lenço Verde. Com esse nome a dupla se apresentou no circo Giglio e no programa “Assim canta o sertão”, que ia ao ar, aos domingos, na rádio local.
Participou de outras duplas, com
nomes variados, tocando violão, até encontra-se com a viola, num circo, na
cidade de Araçatuba, no interior paulista. Contou, na entrevista, que o instrumento pertencia a
Tinoco, da “Dupla Coração do Brasil”, Tonico e Tinoco. Não tardou a ganhar a
sua própria viola, pintada por um artista plástico, daquela mesma cidade. Sua
maneira de tocar se inspirava na do violeiro Florêncio, da dupla Torres e
Florêncio. E José Dias Nunes adotou o nome artístico de Zé Mineiro, na mesma época em que conheceu Nair, com quem, se casou, meses depois.
O casal Nair e Zé Mineiro
COM PARDINHO, RUMO A SÃO PAULO
Na cidade paulista de Pirajuí, em 1954,
recém casado com Nair – com quem teve uma única filha, Alex Marli –, o ex-garçom
conheceu o trabalhador braçal, com fortes traços indígenas, Antonio
Henrique de Lima, que também cantava nas horas vagas e tocava violão. Com sua
viola e o vozeirão grave, Zé Mineiro resolveu formar dupla com o novo amigo de
voz aguda, que adotou Pardinho, como nome artístico. O curioso é que, na música
sertaneja a voz grave é sempre a segunda, mas nesse caso, virou a primeira voz. Foi estrondoso o sucesso da dupla nas apresentações no circo Rapa Rapa.
Zé Mineiro e Pardinho, chegam à capital paulista
“Vocês precisam ir cantar em São
Paulo”, os aconselhou, dois anos depois, o amigo Carreirinho (Adauto Ezequiel). Era o incentivo que faltava, para tomarem o rumo da capital, onde conheceram o
famoso compositor e diretor da gravadora Chantecler, Teddy Vieira – da dupla
Vieira e Vieirinha –, autor de, entre muitas outras pérolas sertanejas, “O Menino da Porteira”, “Boi
Sem Coração” e “O Berrante”. Foi ele quem sugeriu que Zé Mineiro mudasse seu nome para Tião Carreiro. No mesmo ano, Tião Carreiro e Pardinho gravaram seu primeiro disco e, em seguida, desfizeram a
dupla. Tião forma dupla com Carreirinho, e Pardinho, com Zé Carreiro (Lucio Rodrigues de Souza).
Tião Carreiro e Pardinho voltam a se unir,
em 1960, para uma longa carreira de sucessos, graças principalmente à criação
de um novo estilo musical que veremos, em seguida, além de
cantarem também, modas de viola, cururus, cateretês, valseados, querumanas e
até tangos.
E O PAGODE, NESTA HISTÓRIA?
Em 1959, na Rádio Cultura de Maringá/PR,
Tião Carreiro se apresentou com Zorinho
(Ozório Ferrarezi), surpreendendo os ouvintes com um estilo musical que
tinha como base o ponteado da viola cruzado com o violão, numa mistura do
catira lenta com o recortado mineiro mais expressivo, um ritmo bastante
dançante.
Teddy Vieira
Ao retornar a São Paulo, Tião mostrou
o novo estilo aos amigos Lourival dos Santos e Teddy Viera, que comentaram: “parece
um pagode” – nome dado aos bailes, em Minas Gerais –, e o ritmo foi batizado
de “Pagode de Viola”, também conhecido como “Pagode Caipira” e “Pagode
Sertanejo”. Os amantes da canção sertaneja raiz se apaixonaram, de imediato, pelo
novo estilo e coroaram Tião Carreiro, o “rei do pagode”.
No ano
seguinte dessa criação, o Brasil estava em polvorosa com a inauguração da nova
capital do País, no interior do estado de Goiás, e a dupla homenageou o
presidente da República, o descendente de ciganos, Juscelino Kubitschek, com o
clássico sertanejo “Pagode de Brasília”. Este estilo musical se espalhou pelo
Brasil afora e ratificou o título de “rei” ao seu criador. Não por acaso, a
maioria das famosas duplas sertanejas tem, pelo menos, uma gravação de pagode de viola.
Parceiros: Carreirinho, Paraíso e Praieiro
Fazendo parte do primeiro time da música
caipira, Tião Carreiro e Pardinho também participaram de peças teatrais,
em circos e casas de espetáculo, e do filme “Sertão em Festa” (1970), de
Oswaldo de Oliveira. Ao desfazer-se a dupla, definitivamente, em 1978, Tião
Carreiro teve outros parceiros, como Paraíso (José Plínio Transferetti) e Praiano (Almiro Jose Alves), com os quais gravou
também guarânias, rasqueados e balanços. Dizia que sempre esteve aberto para o que o seu
público queria ouvir.
Foi bastante produtiva a carreira de Tião Carreiro: 25 discos 78
rpm, com Pardinho e Carreirinho; mais de 50 LPs com variados parceiros; dois
LPs contendo solos de viola caipira; e mais de 300 composições com importantes
nomes da música sertaneja, como Teddy Viera, Dino Franco, Moacyr dos Santos, Zé
Carreiro, Zé Fortuna, Carreirinho e Lourival dos Santos.
Faltavam poucos dias para Tião se submeter a uma cirurgia de transplante
de rim, quando ele avisou a família de sua grave situação de saúde, motivada pelo
diabetes. Complicações na operação o levaram à morte, aos 58 anos, em 15
de outubro de 1993, mesmo ano em que havia morrido, em 29 janeiro, o amigo Rose Abrão,
o “padrinho dos violeiros”, que anualmente é homenageado pelo tradicional
festival "Violeira", realizado em Barretos.
Eu gostaria de encerrar este texto com o famoso "Pagode de Brasília". Mas ouvindo-o com atenção, descobri um verso misógino -- desrespeita as mulheres --. Em respeito a elas, escolhi um disco gravado pelo "rei do pagode", em 1979, intitulado "Tião Carreiro - Em Solos de Viola Caipira", cuja primeira canção até lembra um "sambinha". E lá pelos 12:55, ouça o vozeirão de Tião Carreiro, cantando um samba "de responsa", bem ao estilo das crônicas de Adoniran. Pegue sua melhor companhia e saia pagodeando!
Em tempos de pesadelos, é sempre muito bom sonhar, novamente, nossos mais belos sonhos já sonhados
Era um sobradinho, numa rua da Moóca, bairro de classe média, na Zona Leste paulistana. Um sobrado desses que têm um portão baixo e uma pequena área de entrada, com a frente em forma de arco (como os da foto ao lado) e chega-se à porta, cerca de uns dois metros depois do portão. Porta aberta, de cara, se avistava à esquerda, na sala, um
piano-armário de madeira escura. A vizinhança, na maioria de origem italiana ou nordestina, não fazia ideia de quem residia ali, mas certamente estava
acostumada a ouvir a música que vinha daquela casa.
O morador era um homem negro de pouca conversa, que já havia ultrapassado os 50 anos, de
cabelos escuros, à custa de pintura. Estranhamente, era sempre visto saindo, bem agasalhado, mesmo quando era Verão, todo início de noite e, muitas vezes, só
voltava quando estava amanhecendo. Para onde será que ia aquele vizinho, que só
o farmacêutico sabia chamar-se Alfredo? O nome encabeçava a receita com prescrição
de medicamentos para problemas na próstata: Alfredo José da Silva Jr.
O ano era por volta da segunda metade da década de 1980 e, toda noite,
um táxi parava em frente ao portão para apanhá-lo. Sempre o mesmo táxi, que ele
havia contratado e que o levava pela Radial Leste, 23 de Maio, Bernardino de
Campos, 13 de Maio e São Carlos do Pinhal. Parava em frente ao suntuoso
edifício do Maksoud Plaza Hotel, onde ninguém o conhecia como Alfredo. Lá ele
era o Johnny, Johnny Alf. Um nome estrangeiro, sugerido por uma amiga
americana, nos anos de 1940, ou 50.
"É só olhar, depois sorrir, depois gostar / você me olhou, você sorriu, me fez gostar..." (O que é amar?)
Johnny era o pianista residente da boate 150 Nigth Club, do Maksoud
Plaza. Ali se apresentava sozinho ou num trio, revezando com outros grupos ou
um artista solo, dependendo da época, e descansando na hora da apresentação do
show principal da noite, na maioria das vezes uma estrela ou astro
internacional. Os boêmios habitués da casa adoravam se sentir íntimos daquele
pianista, cantor e compositor de renome, precursor da Bossa Nova.
Todo frequentador do 150 Nigth Club tinha sua história preferida para contar e
mostrar que era amigo de Johnny Alf.
“Nunca saí do Brasil”, dizia com certa mágoa, diante de olhares incrédulos.
Como uma pessoa com aquele nível de erudição musical, com um talento único e
uma musicalidade sem limites, jamais realizou uma turnê pela Europa, ou pela
América do Norte, ou pelo Japão, onde a música popular brasileira, em especial o
samba, encontra portas escancaradas? “Pois é, não fui nem a passeio”,
concluía, antes de voltar a dedilhar as teclas do belo piano, no canto do pequeno
palco.
As músicas por ele compostas têm alta influência harmônica e rítmica do
jazz, o que ele atribui aos discos que ouvia, ainda menino, na casa da
Tijuca, na Zona Norte de sua terra natal, o Rio de Janeiro, onde a mãe trabalhou de empregada doméstica, por décadas. Viúva de um cabo do Exército, desde que o
pequeno Alfredo tinha três anos, ela residia no emprego e não tinha condições
de pagar alguém para tomar conta do filho, nascido em 19 de maio de 1929. Os
patrões da mãe, sensibilizados pelo interesse do garoto em adquirir
conhecimentos e pela sua curiosidade musical, bancaram seus estudos no colégio
Pedro II e, aos nove anos, contrataram a bastante conhecida professora Geni Borges para lhe dar aulas particulares de piano. pouco tempo depois, ele próprio ganhava algum dinheiro dando aulas de piano para outras crianças, com foco na música erudita.
Aos 14 anos, ele montou um trio que passou a se apresentar no Instituto Brasil- Estados Unidos, o que os levou a tocar em algumas rádios. Foi ali que ele se apaixonou pelo jazz e ingressou no Sinatra-Farney Fan Club, fundado em fevereiro de 1949, com sede na Rua Almirante Gomes Pereira, 54. Naquele espaço, tocando jazz, ficou popular, entre os jovens frequentadores.
"Seu Chopin, não vá ficar zangado / e ressentido pela divertida união que fiz / de sua inspiração a três tempos / de um chorinho meu..."(Seu Chopin, desculpe)
A música erudita perdeu um virtuose para a popular. Mas Alfredo não
se sentiu atraído pelo samba das escolas de samba. Seu fascínio era as trilhas sonoras
dos musicais hollywoodianos. Bach, Beethoven e Mozart foram nocauteados pelos irmãos Ira e George
Gershwin e por Cole Porter. Também era covardia, pois estes compositores contaram com o reforço
de Duke Ellington, Thelonious Monk, Oscar Peterson e mais um sem número de músicos
do jazz que não economizavam improvisos e dissonâncias harmônicas. E foi essa
dissonância o que mais impactou aqueles jovens músicos brancos da Zona Sul
carioca dos anos 50, madrugada adentro, na Cantina do César, para a qual ele
foi contratado por Dick Farney, outro gênio brasileiro do piano, da voz e do
jazz. Depois, o seguiam pelas boates Monte Carlo, Mandarim, Clube da Chave,
Drink, Plaza e o antológico Beco das Garrafas.
Eles se sentiam como que hipnotizados ouvindo aquele pianista negro que
parecia ter um prazer à parte em desrespeitar, com os dedos e voz, sempre mais
e mais, a matemática canônica musical. Ao deixarem as boates, os jovens músicos
se enfurnavam no apartamento, ora de um, ora de outro, a tentar reproduzir as
dissonâncias ouvidas, pouco antes, jurando que ali estava nascendo uma “bossa
nova”.
"Olha, / somente um dia longe dos teu olhos / trouxe a saudade de um amor tão perto / e o mundo inteiro fez-se tão tristonho..." (Ilusão à toa)
Tudo isso devia habitar a mente de Alfredo quando, em 1955, se mudou para
São Paulo, contratado pela boate Baiuca e pelo bar Michel. Sete anos depois, a
saudade da maresia e da noite carioca o levou de volta ao Rio, onde Johnny se apresentou
em casas noturnas, como a Bottle's Bar, a Litlle Club e a Top.
Numa quarta-feira chuvosa, o dia 21 de novembro daquele mesmo 1962, os jovens
músicos da Zona Sul, que o idolatravam, invadiram o Carnegie Hall, de Nova
York, deixando igualmente hipnotizadas as três mil pessoas que lotavam a plateia
e os camarotes, entre elas, alguns dos mais famosos nomes do jazz. No palco era enorme a lista dos músicos que se apresentaram, encabeçada
por Antônio Carlos Jobim, João Gilberto, Luiz Bonfá, Oscar Castro Neves, Sérgio
Mendes, Roberto Menescal, Carlos Lyra, Chico Feitosa, Milton Banana, Agostinho
dos Santos, Sérgio Ricardo, Normando Santos, Dom Um Romão e outros menos
famosos. Há quem jure ter visto o nome de Johnny Alf no programa impresso. Se
estava na lista, alguém se esqueceu de avisar o músico que Tom Jobim apelidou
de “Genialf”. E ele permaneceu por aqui.
Com uma pontinha de tristeza, mas entre risadas, gostava de contar um episódio envolvendo um alto executivo de uma multinacional norte-americana, que, durante
o período em que trabalhou no Brasil, ficou hospedado no Maksoud Plaza. Todas
as noites ele descia à boate 150 Nigth Club e sentava-se a uma mesinha próxima
do piano. Nos intervalos, gostava de conversar com Johnny Alf. Terminada sua
missão por aqui, retornou aos EUA. Tempos depois, voltando ao Brasil, fez
questão de rever o pianista e logo foi dizendo: “Johnny eu te vi em New York!”
Surpreso, o músico indagou: “Eu!? Você sabe que nunca saí do Brasil...” E o
outro explicou: “Eu passava por uma rua do Harlem, quando avistei uma placa, na porta de
uma boate, dizendo: Tonigth the brazilian musician Johnny Alf!Desci correndo a
escadaria para abraçar meu amigo e, ao chegar ao salão, havia um pianista negro
tocando e cantando suas canções. E já fui perguntando: ‘Where's Johnny Alf?’. Ele respondeu: ‘I am Johnny Alf’. E eu retruquei: ‘No, no. I know Johnny Alf very well. We are friends and you are not him, no.". O músico afro-americano estava faturando, com a fama do compositor
brasileiro.
"Tudo de graça a natureza dá / pra que que eu quero trabalhar?" (Rapaz de bem)
Nunca ter saído do País, nem o terem incluído no seleto cast que apresentou a Bossa Nova aos americanos, no Carnegie Hall, de Nova York, em 1962, não eram a maior mágoa desse cantor, compositor e músico por excelência. Ele contava que esse título coube à desclassificação de sua balada romântica Eu e a Brisa, no III Festival da MPB, da TV Record, em 1967, apesar do belo arranjo do maestro José Briamonte e da interpretação impecável da cantora Márcia: "Ah, se a juventude, que essa brisa canta, / ficasse aqui comigo, mais um pouco, / eu poderia esquecer a dor / de ser tão só, pra ser um sonho…”.
"Ser tão só...", um compositor cujos 21 LP’s se espalharam mundo afora e com composições gravadas pelos e pelas melhores intérpretes da MPB e do jazz.
Alfredo não parecia ter nenhum interesse ou vocação ao glamour e a tornar-se
popstar. Assim, seus rendimentos foram precários e a solidão uma companheira eterna. Com o agravamento do câncer de
próstata e sem parentes, foi viver, por três anos, numa “casa de
repouso”, em Santo André. Sua despedida dos palcos e do público foi num show em agosto de 2009, com a cantora Alaíde Costa, famosa nos tempos da Bossa Nova. Johnny Alf faleceu, aos 80 anos, em março de 2010, num hospital público da cidade em que vivia.
Sim, uma coisa temos de admitir: ele conseguiu realizar seu desejo de "ser um sonho...", expresso na canção Eu e a Brisa. Parafraseando a bela afirmação de Nelson Cavaquinho sobre Cartola,
podemos também dizer que Johnny Alf “não existiu, foi um sonho”, que o Brasil
sonhou... mas, infelizmente, se esqueceu.