por Oswaldo Faustino
A história oficial
não tem melindres em heroificar figuras cruéis e sanguinárias, com tanto que
sejam homens e brancos. Raros heróis são negros.
Mulheres negras, então...
O que sabemos a respeito de Dandara, de Acotirene, de Aqualtune e de
tantas outras mulheres que resistiram, bravamente, ao longo de cerca de um
século, no Quilombo de Palmares? Quem foram Luiza Mahin, Tereza de Benguela, Maria
Soldado e outras heroínas que enfrentaram, ombro a ombro com seus companheiros
e companheiras, a opressão, a exploração, os desmandos dos poderosos e cujos
nomes e protagonismo ou não ficaram registrados no mármore da história ou são sub-valorizados? No máximo,
são mencionadas como coadjuvantes. A historiografia prefere tratá-las, muitas
vezes, como lendas improváveis, fruto da imaginação e da oralidade popular.
Ao receber a Etiópia de presente, na Conferência de Berlim (1884/1885), que
retalhou o Continente Africano e o repartiu entre as potências europeias, a
Itália não fazia ideia da montanha rochosa coberta de espinheiros, precipícios e armadilhas que iria encontrar. Exibindo força e poderio bélico, o exército italiano teve de
enfrentar a bravura da resistência etíope e só obteve poucas chances de uma aparente vitória. Numa batalha em 1889, o negus [1] Johannes IV foi assassinado. Para sucede-lo, os anciões do Conselho escolheram, entre vários rases [2], Sahle Marim, ras do Choa, que foi entronizado, em novembro do mesmo ano, com o nome de Menelik II. Ele não havia participado dos combates e se
manifestou disposto a um convívio pacífico com os italianos.
Cara de anjo, olhos de águia
A Etiópia é um país que perdeu suas saídas para o mar |
Hoje, vamos viajar a um país chamado Etiópia, que fica na região oriental do Continente Africano. Exceto os falashas, que são judeus, descentes de Menelik I, o filho do Rei Salomão com Makeda, a Rainha de Sabá, a maior parte da
população é cristã, da linha ortodoxa. O Cristianismo é a religião oficial desde 325 D.C., só antecedida pela Armênia, no leste europeu, cristã a partir de 301 D.C.. Em Roma, a sede do Catolicismo, essa
religião só foi oficializada em 380 D.C.. Pensar o Cristianismo como nascido na Europa é um grande engano e a desculpa para invadir a África, alegando ir civiliza-la e cristianizá-la, não passa de uma enorme mentira para disfarçar os objetivos reais: dominação, exploração de
riquezas e escravização.
Mas, voltando ao tema deste artigo – nossas heroínas –, mais ou menos no
centro da Etiópia, encontraremos a capital, Adis Abeba. Lá chegando, perguntaremos a
uma criança, em seus primeiros anos escolares: “Você conhece Taitu Bitul?”. E
veremos como os olhos dela brilharão de orgulho. O curioso é que, se estivéssemos em
Kingston, capital da Jamaica, no mar do
Caribe, América Central, a reação da criança, provavelmente, seria muito parecida. Não será coincidência. Por conta do Ras Tafari, boa parte dos jamaicanos têm a Etiópia como referência. Mas, e você?
Já ouviu esse nome: Taitu?
Aí vêm os
italianos!
Menelik II se torna negus e quer negociar |
Por conta disso, os invasores trocaram a violência pela diplomacia. Iniciaram-se negociações e com elas os engôdos, como o de textos dos acordos entre as duas partes, na versão em italiano dizerem coisas diferentes do que estava escrito em amárico [3],
língua local. Desta forma, sem que Menelik soubesse, tudo o que seu país
negociasse com outros, teria de passar pela intermediação da Itália e uma
grande área da Etiópia foi transformada em colônia italiana, separando o
restante do país do Golfo de Aden, que liga o Mar Vermelho ao Oceano Índico.
Essa colônia recebeu nome de Eritreia.
Cara de anjo, olhos de águia
A imperatriz "Luz da Etiópia" |
Taitu: capa de jornal em Paris |
Porém, orientado por ela, Menelik decide ir à guerra e juntamente com a
maioria dos rases, forma um
exército com 100 mil combatentes, dentre os quais 25 mil mulheres. A própria
Taitu segue para o front comandando uma legião de 5 mil homens e mulheres, responsável por ações
estratégicas, cercando os inimigos em número muito inferior – 9 mil italianos e
11 mil eritreus –. A Itália concentrava toda a sua esperança em seu poderia bélico e na longa e vitoriosa experiência de comando
do General Orestes Baratieri.
No front, Menelik, Taitu e alguns rases no comando do exército etíope |
Metade do exército etíope se valia de rifles, metralhadoras e canhões, fornecidos pela Russia, pela França e outros países que apoiavam sua resistência, apesar de eles próprios terem colônias no Continente. O restante fazia uso de armas tradicionais, como lanças, escudos, espadas, arcos e flechas. Acima de tudo, do fortíssimo espírito de luta. O comando geral era dividido entre o próprio negus Menelik II com a imperatriz Taitu. Ambos não viviam aquartelados. Mantinham-se no front, onde eram auxiliados pelos rases de cada região, que comandavam seus exércitos regionais.
O marketing X a realidade
A Itália tinha certeza de que era impossível à Etiópia resistir, por muito tempo, a seus planos imperialistas. Essa ideia era amparada exatamente no racismo, uma vez que, desde a Antiguidade, na Europa, "etíope" era sinônimo de "pessoa preta". Para a imprensa internacional da época, o comando italiano e seu governo faziam questão
de demonstrar menosprezo pelo inimigo: "Menelik é fraco, inseguro e está
nas mãos de sua esposa. Todo mundo está cansado e sua renúncia é esperada.
[...] A opinião pública está pronta para a queda de Menelik. Ao primeiro golpe esse
império desmorona", declarou o comandante Baratieri juntamente com primeiro-ministro da Itália, Francesco Grispi.
Batalha de Adwa: a definitiva vitória dos etíopes humilhou a Itália |
Foi a primeira vitória militar de uma nação africana sobre o colonizador europeu e a Etiópia se manteve livre e independente. Menelik e Taitu demoraram quase dois meses para conseguir realizar seu retorno triunfal a Adis Abeba, pois por onde passavam eram recebidos com festas que duravam dias.
Depois do primeiro avc de Menelik, Taitu assume o poder |
______________________________________
[2] Ras - cujo plural é rases -, título de nobreza amárico, dados aos reis regionais
(feudais) que se submetiam ao poder do Negus;
[3]
Amárico, língua de origem semita, falada em toda a Etiópia. Não confundir com
aramaico, outra língua semita falada na região do Oriente Médio.
______________________________________
______________________________________
A cada nova informação recebida sobre resistência de sociedades africanas ao domínio colonial, mas orgulho sinto dos povos
ResponderExcluirancestrais. Passar quase uma vida sem conhecer as histórias de luta e bravura desses povos, sem saber a verdades sobre o continente de origem, só poderá ser compensado quando eu tiver conhecimento suficiente para dar voz às suas histórias.