sábado, 1 de abril de 2017

PIXINGAR, UM VERBO BOM DE CHORO...

Os 8 Batutas, liderado por Pixinguinha, ao sax, na Paris de 1922


Sinta a sua alma banhada por melodias etéreas repletas de brasilidade e de magia, em que se revezam uma perfeita harmonização, em saborosos ritmos, e riquíssimos improvisos. Pode chorar!


A flauta herdada do pai, quando ainda usava calças curtas, só foi traída pelo jovem Alfredo da Rocha Viana Filho, o Pixinguinha, quando ele se apaixonou pelo saxofone. Na verdade, nem daria para chamar de traição, pois uma e outro, com o passar do tempo, se tornaram uma extensão do corpo desse eterno menino que soprava diamantes.
A flauta e o sax, seus prediletos, mas Pixinguinha também
tocava outros instrumentos musicais, como piano e violão  
Há milhares de fatos e lendas sobre Pixinguinha, nascido no bairro carioca da Piedade, em 1898, a quem uma das avós, uma africana bantu, chamava de “Pizindim”. Histórias que circulam pela maioria dos points boêmios do Rio de Janeiro. A veracidade de cada uma delas, porém, só é certificada se tiver a chancela do Bar Gouveia – atual Wiskeria Gouveia –, na Travessa do Ouvidor, 27, Centro do Rio, que o músico, compositor e arranjador chamava de “escritório” e onde tinha mesa, cadeira e copo cativos.
Na década de 1960, aconteceu a revigorizarão do Choro, considerado a primeira música urbana eminentemente brasileira, nascida no século XIX. Foi, assim, que “São Pixinguinha” passou a ocupar status de santo protetor da boemia, dos amantes da música popular instrumental, daqueles que aprenderam a chorar felicidade. Por isso, a data de seu aniversário, 23 de abril, se tornou o Dia Nacional do Choro. 
Dentre as dezenas de histórias sobre Pixinguinha reveladas pela deliciosa e rica biografia escrita por Marília Barbosa e Arthur de Oliveira, com o título de “Filho do Ogun Bexiguento”, publicada pela editora da Funarte, em 1979, algumas descrevem, com profundidade, a personalidade de Pixinguinha e faço questão de relembra-las aqui:
Apesar da vida boêmia, das noitadas, das infindáveis viagens e dedicação ao trabalho de arranjador e orquestrador para bailes, estúdios de gravação e rádios, Pixinguinha nutria um amor quase devocional a Albertina da Rocha, conhecida por Betty, estrela da Companhia Negra de Revista, com quem se casou em 1927. O casal não teve filhos, mas adotou um bebê, que recebeu o nome de Alfredo da Rocha Vianna Neto, o Alfredinho.
Um beijo de Betty, no aniversário do amado,
data instituída o  Dia Nacional do Choro
Um dia Betty, já com 73 anos, caiu doente e foi internada. Todos os dias, Pixinguinha elegantemente vestido, acompanhado pelo filho, ia visita-la levando um ramalhete de flores. Semanas depois, ele próprio sofreu um enfarte e também foi internado no mesmo hospital. Não querendo preocupa-la, ele pediu ao filho que levasse seu terno para o quarto em que se encontrava. Diariamente, na hora da visita, tirava o pijama, vestia o terno, dava nó na gravata, calçava os sapatos e caminhava lentamente amparado em Alfredinho. À porta do quarto da esposa, se empertigava e entrava para entregar o ramalhete a Betty que faleceu, em junho de 1972, sem jamais saber que o marido também estava doente e internado, há poucos metros dela.
Um amor só comparável ao que sentia pela música. Ao chegar para a missa de bodas de prata do casal, na igreja São Geraldo, em 1952, ele soube que o organista, acompanhante do coral, havia faltado. Pediu ao filho que ficasse com a mãe no altar e sentou-se ao órgão. Além de acompanhar os cantos religiosos, brindou os presentes com memoráveis improvisações.
Na volta de uma apresentação, Pixinguinha foi surpreendido por três assaltantes, que apanharam o dinheiro do cachê e sua flauta. Ao reconhece-lo, porém, pediram desculpas, devolveram seus pertences e se ofereceram para escolta-lo até sua casa. Grato, o músico os convidou para algumas rodadas de cerveja e traçado, às suas custas, num botequim, onde rolou samba até o amanhecer.
Pixinguinha, sob o artístico olhar do fotógrafo Walter Firmo
O cansado coração de Pixinguinha decidiu-se a parar, definitivamente, aos 76 anos, em 17 de fevereiro de 1973. Ele estava na Igreja Nossa Senhora da Paz, em Ipanema, e aguardava o início do batizado do filho de um amigo, de quem seria padrinho. Era sábado de carnaval. Lá fora estava passando um animado bloco, alguém anunciou que "São Pixinguinha" havia partido. Nesse dia, o samba chorou.
Desde então, sob as bênçãos de “São Pixinguinha”, o único Choro ao qual realmente vale a pena se entregar, sem limites, nem moderação, é o musical, que chora felicidade... Pixinguemos, pois! 

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