Os 8 Batutas, liderado por Pixinguinha, ao sax, na Paris de 1922 |
Sinta a sua alma
banhada por melodias etéreas repletas de brasilidade e de magia, em que se revezam uma perfeita harmonização, em saborosos ritmos, e riquíssimos improvisos. Pode chorar!
A flauta herdada do pai, quando ainda usava calças
curtas, só foi traída pelo jovem Alfredo da Rocha Viana Filho, o Pixinguinha,
quando ele se apaixonou pelo saxofone. Na verdade, nem daria para chamar de
traição, pois uma e outro, com o passar do tempo, se tornaram uma extensão do corpo desse eterno menino que soprava diamantes.
A flauta e o sax, seus prediletos, mas Pixinguinha também tocava outros instrumentos musicais, como piano e violão |
Há milhares de fatos e lendas sobre Pixinguinha,
nascido no bairro carioca da Piedade, em 1898, a quem uma das avós, uma africana bantu, chamava de “Pizindim”. Histórias que circulam pela maioria dos points boêmios do Rio de
Janeiro. A veracidade de cada uma delas, porém, só é certificada se tiver a chancela do Bar Gouveia – atual
Wiskeria Gouveia –, na Travessa do Ouvidor, 27, Centro do Rio, que o
músico, compositor e arranjador chamava de “escritório” e onde tinha mesa,
cadeira e copo cativos.
Na década de 1960, aconteceu a revigorizarão do Choro, considerado a primeira
música urbana eminentemente brasileira, nascida no século XIX. Foi, assim, que “São
Pixinguinha” passou a ocupar status de santo protetor da
boemia, dos amantes da música popular instrumental, daqueles que aprenderam a
chorar felicidade. Por isso, a data de seu aniversário, 23 de abril, se tornou o Dia Nacional
do Choro.
Dentre as dezenas de histórias sobre Pixinguinha reveladas
pela deliciosa e rica biografia escrita por Marília Barbosa e Arthur de Oliveira, com o título de “Filho do Ogun Bexiguento”, publicada pela editora da Funarte, em
1979, algumas descrevem, com profundidade, a personalidade de Pixinguinha e faço questão de relembra-las aqui:
Apesar da vida boêmia, das noitadas, das
infindáveis viagens e dedicação ao trabalho de arranjador e orquestrador para bailes, estúdios de gravação
e rádios, Pixinguinha nutria um amor quase devocional a Albertina da Rocha, conhecida
por Betty, estrela da Companhia Negra de Revista, com quem se casou em 1927. O
casal não teve filhos, mas adotou um bebê, que recebeu o nome de Alfredo da
Rocha Vianna Neto, o Alfredinho.
Um beijo de Betty, no aniversário do amado, data instituída o Dia Nacional do Choro |
Um dia Betty, já com 73 anos, caiu doente e foi
internada. Todos os dias, Pixinguinha elegantemente vestido, acompanhado pelo filho, ia visita-la levando um ramalhete de flores. Semanas depois, ele próprio sofreu um
enfarte e também foi internado no mesmo hospital. Não querendo preocupa-la, ele pediu ao
filho que levasse seu terno para o quarto em que se encontrava. Diariamente, na hora da visita,
tirava o pijama, vestia o terno, dava nó na gravata, calçava os sapatos e caminhava lentamente amparado em Alfredinho. À porta do quarto da esposa, se empertigava e entrava para entregar o ramalhete a Betty que faleceu, em junho de 1972, sem jamais saber que o marido também estava doente e
internado, há poucos metros dela.
Um amor só comparável ao que sentia pela música. Ao
chegar para a missa de bodas de prata do casal, na igreja São Geraldo, em 1952, ele
soube que o organista, acompanhante do coral, havia faltado. Pediu ao filho que ficasse com a mãe no altar e sentou-se ao órgão. Além de acompanhar os
cantos religiosos, brindou os presentes com memoráveis improvisações.
Na volta de uma apresentação, Pixinguinha foi
surpreendido por três assaltantes, que apanharam o dinheiro do cachê e sua
flauta. Ao reconhece-lo, porém, pediram desculpas, devolveram seus pertences e
se ofereceram para escolta-lo até sua casa. Grato, o músico os convidou para
algumas rodadas de cerveja e traçado, às suas custas, num botequim, onde rolou
samba até o amanhecer.
Pixinguinha, sob o artístico olhar do fotógrafo Walter Firmo |
Desde então, sob as bênçãos de “São Pixinguinha”, o
único Choro ao qual realmente vale a pena se entregar, sem limites, nem moderação, é o musical,
que chora felicidade... Pixinguemos, pois!
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